terça-feira, outubro 31, 2006

Neve

La neve possiede cinque caratteristiche principali:
E' bianca.
Congela la natura e la protegge.
Si trasforma continuamente.
E' sdrucciolevole.
Si muta in acqua.

...Yuko, invece, nella sua compagna vedeva cinque caratteristiche diverse, che appagavano il suo talento artistico.
"E' bianca. Dunque è una poesia. Una poesia di una grande purezza.
Congela la natura e la protegge. Dunque è una vernice. La più delicata vernice dell'inverno.
Si trasforma continuamente. Dunque è una calligrafia. Ci sono diecimila modi per scrivere la parola neve.
E' sdrucciolevole. Dunque è una danza. Sulla neve ogni uomo può credersi funambolo.
Si muta in acqua. Dunque è una musica. In primavera trasfrma fiumi e torrenti in sinfonie di note bianche."

Maxence Fermine

A Garça

Minha miséria prefere a vazia linha do mar entre as lagunas,
onde ninguém ouve meu canto.
Sou tão inofensiva que não há no mundo
quem de mim se queixe.
Triste e melancólica, fico à beira do mar salgado,
pensativamente.
O coração sangrando de desejo pela água.


Poesia Síria de autor desconhecido

segunda-feira, outubro 30, 2006

The Bonsai cats

In an e-mail from the secretary
of the linguistics department
I heard about the bonsai cats. A cruel Japanese
is raising them in bottles in New York.

Food is inserted into their prisons through a straw
and excretions are extracted in the same way.
All this, as noted, is to sell
bottled cats as souvenirs.

At the end of the message there was a petition,
against advertising the souvenirs
and marketing them.

I immediately signed the petition
and passed it along to 70 good people.

In response my electronic mailbox
locked down
for 24 hours.

Later, my brother wrote to me
that the bonsai cats were a hoax.

Apparently there is no limit
to how sick people can be
and who am I to talk?

I open the window of the book
to a new collection of poems,
and the clear horizon opens wide
with animals and without people.

Rami Saari

quinta-feira, outubro 26, 2006

O que passou, passou?

Antigamente, se morria
1907, digamos, aquilo sim
é que era morrer.
Morria gente todo dia,
e morria com muito prazer,
já que todo mundo sabia
que o Juízo, afinal, viria,
e todo mundo ia renascer.
Morria-se praticamente de tudo.
De doença, de parto, de tosse.
E ainda se morria de amor,
como se amar morte fosse.
Pra morrer, bastava um susto,
um lenço no vento, um suspiro e pronto,
lá se ia nosso defunto
para a terra dos pés juntos.
Dia de anos, casamento, batizado,
morrer era um tipo de festa,
uma das coisas da vida,
como ser ou não ser convidado.
O escândalo era de praxe.
Mas os danos eram pequenos.
Descansou. Partiu. Deus o tenha.
Sempre alguém tinha uma frase
que deixava aquilo mais ou menos.
Tinha coisas que matavam na certa.
Pepino com leite, vento encanado,
praga de velha e amor mal curado.
Tinha coisas que têm que morrer,
tinha coisas que têm que matar.
A honra, a terra e o sangue
mandou muita gente praquele lugar.
Que mais podia um velho fazer,
nos idos de 1916,
a não ser pegar pneumonia,
e virar fotografia?
Ninguém vivia pra sempre.
Afinal, a vida é um upa.
Não deu pra ir mais além.
Quem mandou não ser devoto
de Santo Inácio de Acapulco,
Menino Jesus de Praga?
O diabo anda solto.
Aqui se faz, aqui se paga.
Almoçou e fez a barba,
tomou banho e foi no vento.
Agora, vamos ao testamento.
Hoje, a morte está difícil.
Tem recursos, tem asilos, tem remédios.
Agora, a morte tem limites.
E, em caso de necessidade,
a ciência da eternidade
inventou a criônica.
Hoje, sim, pessoal, a vida é crônica.

P.Leminski

terça-feira, outubro 24, 2006

O último dia do verão

Pois às vezes me falta a quem contar
certo dia passado do princípio ao fim
o encanto que tenha realmente
a insistência do vento ao longo da Foz
aquilo que daria (e eu daria tudo) por compaixão

Nascemos e vivemos só algum tempo
não temos nada
não podemos mesmo na penumbra
decidir a atenção ou o esquecimento
as forças soçobram como vago motivos
em público
e em qualquer lugar

Por isso sei tão bem o valor
da natureza indiscutível dos teus olhos
onde a luz anota seus aspectos
teus olhos impacientes e irrealizáveis
que me acompanham
agora que sozinho danço
pela cidade vazia

José Tolentino de Mendonça

Frésias

Frésias são flores com cheiro a chá
e ela, aos trinta e sete anos, preferia-as
às flores que se vendem por aí
admitia a beleza mas não o esplendor
porque são tristes as repetições
num instante se tornam saberes
e ela, aos trinta e sete anos,
prezava apenas os segredos que mesmo ditos
permanecem como segredos

(em certas épocas, por alguma porta esquecida
escapava-se sonâmbula, para o pátio
que dá acesso à mata
e, por vezes, iam buscá-la
gritando o seu nome ou com a ajuda dos cães
já muito longe de casa

tinha por hábito acender fogueiras
de que, depois, se esquecia
e por isso também os aldeões
a temiam)

nunca compreendeu a natureza da vida doméstica
intensa e aflita criança
incapaz de certezas

o que de mais belo soube
sempre o disse, de repente,
a alguém que não conhecia

José Tolentino de Mendonça

domingo, outubro 22, 2006

Along Samora Machel

Along Samora Machel Avenue,
I knocked a woman down
But I didn’t stop.

I saw her toss and turn
In my rear-view mirror
Before lying still, twisted
Next to her loaf of bread,
But I couldn’t stop.

Fearing the crowd would get me,
I drove on in the confusion
To flee from the chaos
To try and get home
If home was still there.

Along Samora Machel Avenue,
I knocked a woman down
But couldn’t stop.

Bullets were flying
People were dying.
Another mass uprising?

Along Samora Machel Avenue
I knocked a woman down
But I didn’t stop.

A heavy truck reduced her to pulp
And this was no fiction.
I bled with her – profusely
But I just couldn’t stop!

Ignatius T. Mabasa

sábado, outubro 21, 2006

Gin&Vodka

You (I, We) will survive
Toujours avec
Glória e Glamour

i (ncógnito)

quinta-feira, outubro 19, 2006

Donde están

Dónde están aquellos
que lo único que hicieron
fue sembrar maíz
en nuestras conciencias,
dibujaron sus voces
en las espirales de humo
llamando al encuentro
contando una alegría;

dónde están aquellos
que sembraron los árboles del encuentro
y luego los convirtieron
en los mojones que separan a los pueblos;

dónde están aquellos
que tejieron los símbolos del universo
uniendo la luna y el sol en las cobijas
con que abrigaron sus sueños;

dónde están aquellos
que escribieron sobre la tierra
que el hambre
jamás sería nuestra compañera;

dónde están aquellos
que guardaron en sus manos
los brotes de su gente,
danzando la llegada
de un nuevo sol,
de una nueva luna;

dónde están mis abuelos
que vieron a través del cristal de sus lágrimas
lo grande que fue el desastre

dónde están mis abuelas
que en su placenta
alimentaron nuevos sueños
de hijos de ojos verdes
que jamás desearon;

dónde están las tierras
que te parieron abuelo;

dónde están las aguas
que enseñaron tu rostro, abuela;

donde estoy ahora,
están ellos,
todo, todo para mí
es recuerdo.


Hugo Jamioy Juagibioy

sexta-feira, outubro 13, 2006

Duende

(...)

Já a luz se apagou do chão do mundo,
deixei de ser mortal a noite inteira;
ofensa grave a minha, que tentei
misturar-me aos duendes na floresta.
De máscara perfeita, e corpo ausente,
a todos enganei, e ninguém nunca
saberia que ainda permaneço
deste lado do tempo onde sou gente.
Não fora o gesto humano de querer-te
como quem, tendo sede, vê na água
o reflexo da mão que a oferece,
seria folha de árvore ou sério gnomo
absorto no silêncio de uma rima
onde a morte cessasse para sempre.



António Franco Alexandre

quinta-feira, outubro 12, 2006

Antífona

Ven, reina de los besos, flor de la orgía,
amante sin amores, sonrisa loca...
Ven, que yo sé la pena de tu alegría
y el rezo de amargura que hay en tu boca.

Yo no te ofrezco amores que tú no quieres;
conozco tu secreto, virgen impura;
Amor es enemigo de los placeres
en que los dos ahogamos nuestra amargura.

Amarnos... ¡Ya no es tiempo de que me ames!
A ti y a mí nos llevan olas sin leyes.
¡Somos, a un mismo tiempo, santos e infames;
somos, a un tiempo mismo, pobres y reyes!

¡Bah! Yo sé que los mismos que nos adoran
en el fondo nos guardan igual desprecio.
Y justas son las voces que nos desdoran...
Lo que vendemos ambos no tiene precio.

Así, los dos: tú, amores, yo poesía,
damos por oro a un mundo que despreciamos...
¡Tú, tu cuerpo de diosa; yo, el alma mía!...
Ven y reiremos juntos mientras lloramos.

Joven quiere en nosotros Naturaleza
hacer, entre poemas y bacanales,
el imperial regalo de la belleza,
luz, a la oscura senda de los mortales.

¡Ah! Levanta la frente, flor siempre viva,
que das encanto, aroma, placer, colores...
Diles, con esa fresca boca lasciva...,
¡que no son de este mundo nuestros amores!

Igual camino en suerte nos ha cabido,
un ansia igual nos lleva que no se agota,
hasta que se confundan en el olvido,
tu hermosura podrida, mi lira rota.

Crucemos nuestra calle de la Amargura
levantadas las frentes, juntas las manos...
¡Ven tú conmigo, reina de la hermosura!
¡Hetairas y poetas somos hermanos!

Manuel Machado

quarta-feira, outubro 11, 2006

Mater, Virgo, Regina

Mater Christi
Mater divina gratiae
Mater purissima
Mater castissima
Mater inviolata
Mater intemerata
Mater amabilis
Mater admirabilis
Mater boni concilii
Mater Creatoris
Mater Salvatoris

Virgo prudentissima
Virgo veneranda
Virgo praedicanda
Virgo potens
Virgo clemens
Virgo fidelis

Speculum justitiae
Sedes sapientiae
Causa nostrae laetitiae
Vas spirituale
Vas honorabile
Vas insigne devotionis
Rosa mystica
Turris Davidica
Turris eburnea
Domus aurea
Foederis Arca
Janua caeli
Stella matutina
Salus infirmorum
Refugium Pecatorum
Consolatrix afflictorum
Auxilium christianorum

Regina angelorum
Regina patriarcharum
Regina prophetarum
Regina apostolorum
Regina martyrium
Regina confessorum
Regina virginum
Regina sanctorum omnium
Regina sine labe originali concepta
Regina in caelum assumpta
Regina sacratissimi rosarii
Regina pacis

Zé João

Não me importa que a tua vida seja breve ou longa.

Apenas desejo que, enquanto durar, tenhas muitos momentos de intensa felicidade, ames desmedidamente, não sintas medos, sejas poupado à dor, aprendas tanto quanto te for possivel acerca de tudo, sejas sempre curioso, queiras saber sempre mais, nunca faças maldades sobretudo a quem não se pode defender, nunca sofras injustiças e que nunca as cometas, que tenhas aguçado sentido crítico, que sejas um Homem de Palavra e que as coisas belas te emocionem sempre.

E que me deixes estar no teu coração.
i

Eis-te meu pequeno amante
no grande leito da tua mamã,
posso beijar-te, abraçar-te,
ponderar teu belo futuro.

Bom dia minha pequena estátua de sangue,
de alegria e de carne crua,
meu pequeno duplo,
minha emoção.

Cécile Sauvage

terça-feira, outubro 10, 2006

Se estou só

Se estou só, quero não star,
Se não stou, quero star só,
Enfim, quero sempre estar
da maneira que não estou.

Ser feliz é ser aquele.
E aquele não é feliz,
Porque pensa dentro dele
E não dentro do que eu quis.

A gente faz o que quer
Daquilo que não é nada,
Mas falha se o não fizer,
Fica perdido na estrada.

Fernando Pessoa

domingo, outubro 08, 2006

Eu vou ser como a Toupeira

Eu vou ser como a toupeira
Que esburaca
Penitência, diz a hidra
Quando à seca
Eu vou ser como a gibóia
Que atormenta
Não há luz que não se veja
Da charneca

E não me digas agora
Estás à espera
Penitência diz a hidra
Quando à seca
E se te enfias na toca
És como ela

Quero-me à minha vontade
Não na tua
Ó hidra, diz-me a verdade
Nua e crua
Mais vale dar numa sarjeta
Que na mão
De quem nos inveja a vida
E tira o pão


Zeca Afonso

Eles não gostam? Azarucho!



Todos os dias ao sair de casa dou de caras com um anúncio que me deixa logo mal disposta até aí às três da tarde. É da clínica Persona e tem esta
brilhante tirada publicitária: "os homens não gostam de celulite". É que, de facto, era este o argumento que me faltava para eu pôr fim à celulite que se instalou no meu rabo sem qualquer espécie de permissão. Eu até gosto de ter celulite, adoro!, faço os possíveis por ter sempre mais e mais... ah, mas espera lá, se os homens não gostam, então eu vou já pagar um tratamento de 500 contos na Persona para ficar sem celulite!! A sério, senhores que fizeram esta campanha, acham mesmo que este tipo de terror psicológico barato faz efeito numa mulher??? Se o anúncio dissesse "mulheres com celulite não entram na Zara", aí sim, era ver-me a correr para a Persona, primeiras, primeiras!
Agora, "vejam lá se tratam disso que os homens não gostam", temos pena, mas não pega! Se formos a ver, também há muita coisa que as gajas não gostam, e nem por isso espalhamos outdoors gigantescos pela cidade. Sim, porque senão já estou a imaginar os possíveis anúncios:

- ELAS não gostam de pilas pequenas;
- ELAS não gostam de pêlos a mais;
- ELAS não gostam do resultado de "campeonato nacional+liga dos campeões+taça
uefa+taça de Portugal";
- ELAS não gostam de sexo oral sofrível e insuficiente;
- ELAS não gostam que cocem os tomates (muito menos em público);
- ELAS não gostam (nem acham sexy) as barrigas de cerveja;
- ELAS não gostam de tampas da sanita levantadas;
- ELAS não gostam de ejaculação precoce;
- ELAS não gostam que cortem as unhas dos pés em cima da mesa da sala;
- ELAS não gostam de mãozinhas sapudas (e pouco hábeis);
- ELAS não gostam das amigas deles e das ex-namoradas, essas, nem falar;
- ELAS não gostam de slips nem de boxers com ursinhos;
- ELAS não gostam de atrasados emocionais;

Se os homens deste País se deparassem com estas publicidades, tentariam resolver algumas das questões apontadas? Não, pois não? Então deixem lá mas é a nossa celulitezinha sossegada e não nos obriguem a andar com uma régua na mala!
Maria do Carmo Machado

sábado, outubro 07, 2006

Eh! Companheiro

Eh! Companheiro aqui estou
aqui estou pra te falar
Estas paredes me tolhem
os passos que quero dar
uma e feita de granito
não se pode rebentar
outra de vidro rachado
p´ras duas pernas cortar

Eh! Companheiro resposta
resposta te quero dar
Só tem medo desses muros
quem tem muros no pensar
todos sabemos do pássaro
cá dentro a qu´rer voar
se o pensamento for livre
todos vamos libertar

Eh! Companheiro eu falo
eu falo do coração
Já me acostumei à cor
desta negra solidão
já o preto que vai bem
já o branco ainda não
não sei quando vem o vento
pra me levar de avião

Eh! Companheiro respondo
respondo do coração
ser sozinho não é sina
nem de rato de porão
faz também soprar o vento
não esperes o tufão
põe sementes do teu peito
nos bolsos do teu irmão

Eh! Companheiro vou falar
vou falar do meu parecer
Vira o vento muda a sorte
toda a vida ouvi dizer
soprou muita ventania
não vi a sorte crescer
meu destino e sempre o mesmo
desde moço até morrer

Eh! Companheiro aqui estou
aqui estou p´ra responder
Sorte assim não cresce a toa
como urtiga por colher
cresce nas vinhas do povo
leva tempo a amadur´cer
quando mudar seu destino
está ao alcance de um viver

Eh! Companheiro aqui estou
aqui estou pra te falar
De toda a parte me chamam
não sei p´ra onde me virar
uns que trazem fechadura
com portas para espreitar
outros que em nome da paz
não me deixam nem olhar

Eh! Companheiro resposta
resposta te quero dar
Portas assim foram feitas
p´ra se abrir de par em par
não confundas duas coisas
cada paz em seu lugar
pela paz que nos recusam
muito temos de lutar.

Sérgio Godinho

sexta-feira, outubro 06, 2006

Portugal

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
*
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há “papo-de-anjo” que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós . . .

Alexandre O’Neill

quarta-feira, outubro 04, 2006

How many windows does a person need

How many windows does a person need to open himself,
so he won’t be like Captain Nemo, trapped in the webs of length
and width coordinates
hunted by his world. Among navigation instruments, “moving
within the moveable base,”
closed in, as if saying let the world come through my porthole,
let it accustom itself to me.
And on his eyes he put patches made of glass to keep tears
from pouring to the light.
He too needed several windows to save his life.
A tiny slit, a teeny gate to look through, and from the inside out.
Like Jonah in the belly of the whale, in the closing darkness
he saw a sparkling pearl,
pressed up against the fish’s pupil like an old man to the
keyhole in his door.
He saw flowing water moving towards him, and knew: the fish as well as the various creatures of the sea
like him live their lives in a trap,
and he heard his mouth tell his ears, I am alive.


Dvora Amir

terça-feira, outubro 03, 2006

As Mutações da Máscara

Os Outonos da existência e a existência no seu Outono


Hoje está um dia em que caem folhas entre a vertigem das gotas de chuva. O céu chora, as árvores despem-se em luto e prostração. Tomba a época da criação e da colheita dos frutos da imaculada natureza. Jazem as sementes para o recapitular atempado do triunfo da vida. Morre-se depois de vivo, mas é preciso morrer para se gerar a vida. O perfume do mistério da criação. Tão simples e natural para uma compreensão humana tão complexa e ansiosa pelo artificial.

Serram-se, âmbar a âmbar, as horas de luz dos dias. Reduz-se a alegria do SOL e pacificam-se os espíritos bronzeados com a frescura doce dos rápidos crepúsculos das tardes minguantes.
Os semblantes dos transeuntes untam-se de castanhos e amarelos-torrados, empalidecem com a retoma dos trabalhos a com a soma de mais um ano. O fumo do assador de castanhas, tudo isso relembra, tudo isto acentua e aromatiza…

Já vai o solo pejado de matéria orgânica, o húmus enriquecido de novo fertilizante; já vai o pensamento pleno de epílogos de relações, acontecimentos e eventos, o coração de amores e projectos prometidos. O ciclo entra na sua curva cava, para ganhar fulgor na descida e acelerar para a subida crescente e primaveril, que se adivinha ao fundo, após a contracção fria.
Mudam-se as roupas, mudam-se as vontades… tiram-se as máscaras sazonais do armário. Jano inicia a sua marcha para o trono do presente de onde contemplará o alcance infinito de passado e futuro. Não falta tudo para termos um pé num ano e o outro pé no ano seguinte.
Granjeiam-se e guardam-se religiosamente os saberes e os sonhos que se vão apostar quando chegar a hora oportuna. Hiberne-se um pouco a ousadia e a propensão ao risco porque os rigores do General Inverno estão próximos; resguarda-se a áurea do SER para quando chegar o degelo.

E, de Outono em Outono, rasgadas as folhas sucessivas do anuário, depressa tocamos o Outono da vida. E o que fizeste na tua Primavera e no teu Verão? Semeaste e colheste para guardar agora e superar depois, ainda em alegria, ainda iluminado, o Inverno?
Atiraste ao vento a amizade e disseminaste amigos? Plantaste o bolbo do AMOR e tens agora a árvore frondosa do companheirismo e da parceria incondicional? Entranhaste o enxerto do divino na mãe terra e fizeste crescer o milagre da gestação dos teus descendentes? Fizeste do trabalho, pão? Criaste memória? Levantaste obra, com paixão? Deixas saudades, quando partires?...

Se soubeste encantar a beleza e fecundidade de Eros e Vénus na juventude, se soubeste cativar a astúcia e a força de Ulisses e Hércules no estio, usufrui agora da ponderação e contemplação de Zeus e Hera, enquanto esperas pelo entardecer no teu Olimpo e o descanso plácido de Hades. Como cheiram bem as castanhas assadas…

…FORÇA E HONRA!
Jorge Pópulo

Calle Principe 25

Perdemos repentinamente
a profundidade dos campos
os enigmas singulares
a claridade que juramos
conservar

mas levamos anos
a esquecer alguém
que apenas nos olhou



José Tolentino de Mendonça

domingo, outubro 01, 2006

Já o tempo se habitua

Já o tempo se habitua
A estar alerta
Não há luz que não resista
À noite cega
Já a rosa perde o cheiro
E a cor vermelha
Cai a flor da laranjeira
À cova incerta

Água mole água bendita
Fresca serra
Lava a língua lava a lama
Lava a guerra
Já o tempo se acostuma
À cova funda
Já tem cama e sepultura
Toda a terra

Nem o voo do milhano
Ao vento leste
Nem a rota da gaivota
Ao vento norte
Nem toda a força do pano
Todo o ano
Quebra a proa do mais forte
Nem a morte

Já o mundo se não lembra
De cantigas
Tanta areia suja tanta
Erva daninha
A nenhuma porta aberta
Chega a lua
Cai a flor da laranjeira
À cova incerta


Entre as vilas e as muralhas
Da moirama
Sobre a espiga e sobre a palha
Que derrama
Sobre as ondas sobre a praia
Já o tempo
Perde a fala e perde o riso
Perde o amor


Zeca Afonso
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