terça-feira, maio 31, 2005

o tempo não sabe nada

o tempo não sabe nada
o tempo não tem razão
o tempo nunca existiu
é da nossa invenção
se abandonarmos as horas para nos sentirmos sós
meu amor o tempo somos nós
o espaço tem o volume
da imaginação
além do nosso horizonte
existe outra dimensão
o espaço foi construído sem princípio nem fim
meu amor tu cabes dentro de mim
o meu tesouro és tu
eternamente tu
não há passos divergentes para quem se quer encontrar
a nossa história começa
na total escuridão
onde o mistério ultrapassa
a nossa compreensão
a nossa história é o esforço para alcançar a luz
meu amor o impossível seduz
o meu tesouro és tu
eternamente tu
não há passos divergentes para quem se quer encontrar

Jorge Palma

segunda-feira, maio 30, 2005

Es lástima que fuera mi tierra

Cuando allá dicen unos

Que mis versos nacieron

De la separación y la nostalgia

Por la que fue mi tierra,

¿Sólo la más remota oyen entre mis voces?

Hablan en el poeta voces varias:

Escuchemos su coro concertado,

Adonde la creída dominante

Es tan sólo una voz entre las otras.



Lo que el espíritu del hombre

Ganó para el espíritu del hombre

A través de los siglos,

Es patrimonio nuestro y es herencia

De los hombres futuros.

Al tolerar que nos lo nieguen

y secuestren, el hombre entonces baja,

¿Y cuánto?, en esa dura escala

Que desde el animal llega hasta el hombre.



Así ocurre en tu tierra, la tierra de los muertos,

Adonde ahora todo nace muerto,

Vive muerto y muere muerto;

Pertinaz pesadilla: procesión ponderosa

Con restaurados restos y reliquias,

A la que dan escolta hábitos y uniformes,

En medio del silencio: todos mudos,

Desolados del desorden endémico

Que el temor, sin domarlo, así doblega.



La vida siempre obtiene

Revancha contra quienes la negaron:

La historia de mi tierra fue actuada

Por enemigos enconados de la vida.

El daño no es de ayer, ni tampoco de ahora,

Sino de siempre. Por eso es hoy.

La existencia española, llegada al paroxismo,

Estúpida y cruel como su fiesta de los toros.



Un pueblo sin razón, adoctrinado desde antiguo

En creer que la razón de soberbia adolece

y ante el cual se grita impune:

Muera la inteligencia, predestinado estaba

A acabar adorando las cadenas

y que ese culto obsceno le trajese

.Adonde hoy le vemos: en cadenas,

Sin alegría, libertad ni pensamiento.



Si yo soy español, lo soy .

A la manera de aquellos que no pueden

Ser otra cosa: y entre todas las cargas

Que, al nacer yo, el destino pusiera

Sobre mí, ha sido ésa la más dura.

No he cambiado de tierra,

Porque no es posible a quien su lengua une,

Hasta la muerte, al menester de poesía.



La poesía habla en nosotros

La misma lengua con que hablaron antes,

y mucho antes de nacer nosotros,

Las gentes en que hallara raíz nuestra existencia;

No es el poeta sólo quien ahí habla,

Sino las bocas mudas de los suyos

A quienes él da voz y les libera.



¿Puede cambiarse eso? Poeta alguno

Su tradición escoge, ni su tierra,

Ni tampoco su lengua; él las sirve,

Fielmente si es posible.

Mas la fidelidad más alta

Es para su conciencia; y yo a ésa sirvo

Pues, sirviéndola, así a la poesía

Al mismo tiempo sirvo.



Soy español sin ganas

Que vive como puede bien lejos de su tierra

Sin pesar ni nostalgia. He aprendido

El oficio de hombre duramente,

Por eso en él puse mi fe. Tanto que prefiero

No volver a una tierra cuya fe, si una tiene, dejó de ser la mía, Cuyas maneras rara vez me fueron propias,

Cuyo recuerdo tan hostil se me ha vuelto

y de la cual ausencia y tiempo me extrañaron.



No hablo para quienes una burla del destino

Compatriotas míos hiciera, sino que hablo a solas

(Quien habla a solas espera hablar a Dios un día)

O para aquellos pocos que me escuchen

Con bien dispuesto entendimiento.

Aquellos que como yo respeten

El albedrío libre humano

Disponiendo la vida que hoy es nuestra,

Diciendo el pensamiento al que alimenta nuestra vida.



¿Qué herencia sino ésa recibimos?

¿Qué herencia sino ésa dejaremos?


Luis Cernuda
Desolación de la quimera (1962)

domingo, maio 29, 2005

O sorriso

Creio que foi o sorriso,
O sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso

Eugénio de Andrade

sábado, maio 28, 2005

Madrid revisited

Não sei talvez nestes cinquenta versos eu consiga o meu propósito
dar nessa forma objectiva e até mesmo impessoal em mim
habitual
a externa ordenação desta cidade onde regresso
Chove sobre estas ruas desolada e espessa como esmiuçada chuva
a tua ausência líquida molhada e por gotículas multiplicada
0 céu entristeceu há uma solidão e uma cor cinzentas
nesta cidade há meses capital do sol núcleo da claridade
É outra esta cidade esta cidade é hoje a tua ausência
uma imensa ausência onde as casas divergiram em diversas ruas
agora tão diversas que uma tal diversidade faz
desta minha cidade outra cidade
A tua ausência são de preferência alguns lugares determinados
como correos ou café gijón certos domingos como este
para os demais normais só para nós secretamente rituais
se neutros para os outros neutros mesmo para mim
antes de em ti herdar particular significado
A tua ausência pesa nestes loca sacra um por um
os quais mais importantes que lugares em si
são simples sítios que em função de ti somente conheci
e agora se erguem pedra a pedra como monumento da ausência
Não vejo aqui o núcleo geográfico administrativo de um país
capital de edifícios centro donde emanam decisões
complexo de museus bancos jardins vida profissional turismo
que um dia conheci e não conheço mais
Aqui só há o facto de eu saber que fui feliz
e hoje tanto o sei que sei que sê-lo o não serei jamais
12 esta a capital mas capital não de um certo país
capital do teu rosto e dos teus olhos a nenhuns outros iguais
ou de um país profundo e próprio como tu
Madrid é eu saber pedra por pedra e passo a passo como te perdi
é uma cidade alheia sendo minha
é uma coisa estranha e conhecida
Abro a janela sobre o largo e o teatro onde estivemos
e onde na desdémona que vi te vi a ti
Não é chuva afinal que cai só cai a tua ausência
chuva bem mais real e pluvial que se chovesse
Mais do que esta cidade é só certa cidade que jamais houvesse
numa medida tal que apenas lá profundamente eu fosse
e nela só a minha dor como uma pedra condensada
de pé deitada ou de qualquer forma coubesse
uma cidade alta como as coisas que perdi
e eu logo perdi apenas conheci
pois mais que a ela conheci-te a ti
Foi de uma altura assim que eu caí
superior à própria torre desse hotel
por muitos suicidas escolhida para fim de vida
Não é esta cidade essa cidade onde vivi
onde fui ao cinema e trabalhei e passeei
e na chama do corpo próprio a mim sem compaixão me consumi
Aqui foi a cidade onde eu te conheci
e logo ao conhecer-te mais que nunca te perdi
Deve haver quase um ano mais que ao ver-te vi
que ao ver-te te não vi e te perdi ao ter-te
Mas a esta cidade muitos dão o nome de Madrid

Ruy Belo

sexta-feira, maio 27, 2005

Ao lavar dos dentes

A meio da tarde não sei porquê quando mais cadeiras se arrastam nos ladrilhos
e há mais pessoas no pequeno café isolado na vizinhança do mar
e eu a bem dizer ja' não sei que fazer das minhas duas mãos
e dou graças a deus por serem não mais que duas porque senão
é que não saberia mesmo o que fazer das mais ou menos a meio da tarde quando
a dois passos já há um centro
de sombra e
há a minha pena de que haja vento e haja muitos dias à sombra
talvez por me faltar já a segurança do sol pouco antes imóvel
pairando no alto sobre a cal calma das casas sobre as folhas
mais largas dos plátanos
reúno os papéis dispersos na mesa pago os cafés diversos que fui tomando
e dirijo-me com um profundo encolher dos ombros apressadamente para casa
A penumbra interior da casa o facto de a essa hora não haver ninguém em casa
a convicção de que o sol já deve ter dado a volta a uma sombra redonda
rodeará a mesa junto à janela onde costumo escrever
a incidência muito particular da luz a meio da tarde eis aí outros
tantos factores susceptíveis de explicar pelo menos em parte
ou pelo menos na medida em que uma coisa se pode explicar
que eu caminhe para casa e pense que me devo sentir então bem em casa
Gosto de entrar e de mal entrar logo começar a lavar os dentes
e de os lavar como se ao lavá-los eu lavasse mais do que os dentes
ou fizesse outra coisa que não lavá-los pensando talvez numa coisa
qualquer que não existirá não só para além do espelho que tenho na frente
como nem sequer na vida que outrora também tinha quase toda na frente
e agora se perde quase toda nas minhas costas como coisa que nunca vi
ou não é visível no espelho ou pelo menos não vejo no espelho
porque a verdade é que nem mesmo vejo o espelho e só daria bem pelo espelho
no momento em que o tirassem e fosse tarde demais para eu dar bem por ele
As coisas em que penso não existirão muitas vezes talvez a não ser
no meu pensamento ou então o meu pensamento modifica-as dá-lhes possivelmente
uma forma diferente da que têm ou terão na realidade como por exemplo
aquela mulher que há tanto tempo amei que nem mesmo sei bem se a amei
e que a noite passada enquanto eu dormia e vivia essa vida intermédia dos
sonhos
emergiu de repente sem mais nem menos como uma mulher irresistível para mim
para mais manietado pelo sono da superfície aquática do sonho
e sobressaiu entre as demais coisas porventura mais ou menos sonhadas
e deixou uma esteira indelével e nítida na minha memória como um
apelo cavo e prolongado mesmo depois de eu ter acordado esteira só dispersa a
mela manha
quando já outras pessoas e outros apelos quase por completo ocupavam
o território movimentado e confuso como uma feira da minha vida
da única vida que vivo e não é mais que estas coisas que faço
ao longo do dia nos campos no café ou principalmente aqui em casa
onde agora lavo os dentes como se nunca antes tivesse lavado os dentes
Lavo os dentes e descubro imensas coisas enquanto os lavo e decerto
lavaria muitas vezes os dentes ao dia se antecipadamente soubesse que
descobriria
tantos coisas como agora descubro e não são os dentes nem as gengivas
nem qualquer destas coisas das quais aliás falo só por falar
através de palavras que deito para trás das costas como a vida que vivi
e se perderão para mim exactamente como essa vida palavras que nem mesmo
conseguirei
ver no espelho onde aliás nada vejo a não ser as gengivas e os dentes
e a boca aberta de um homem que lava contente os dentes
ou pelo menos os lava como uma forma de estar à tarde sozinho em casa
e se sente bem sozinho e gosta moderadamente de estar em casa
pelo menos porque assim não está no café onde a essa hora
há mais pessoas e há o ruído de muitas cadeiras e onde se então estivesse
O mais certo seria sentir o desejo de se levantar e ir para casa
talvez porque já não sabe o que há-de fazer das mãos
ou porque o sol deu a volta à casa e deixou na sombra e no silêncio da tarde
a mesa redonda junto à janela onde costuma escrever
como se porventura escrever fosse mais alguma coisa do que escrever
ou porque pode lavar os dentes com a convicção estritamente suficiente
para lavar os dentes num gesto curto do braço curvo
em casa à tarde sozinho com uma tarde não sabe bem porquê
um pouco mais lá fora nos campos que ali dentro de casa
com a maior parte da vida já atrás das costas
com um certo número de palavras como a vida deitadas para trás das costas
e deitar palavras para trás das costas fosse alguma coisa como semear
meter em andamento através do campo lavrado a mão na serapilheira
dependurada do ombro esquerdo tirar ritmadamente um punhado de semente
e espalhar a semente ao vento nos sulcos antes abertos pela charrua
como se deitar palavras para trás das costas que é afinal o gesto de quem
escreve
fosse pelo menos lavar os dentes. Não queiram saber quem sou
ou se porventura alguém por curiosidade ou forma de passar o tempo
quiser alguma vez saber quem sou que veja como lavo os dentes
e que estou tanto nessa lavagem dos dentes como toda a pessoa que lava os dentes
sozinha em casa a uma certa hora da tarde na casa em sombra

Ruy Belo

quinta-feira, maio 26, 2005

A culpa é da vontade

A culpa é da vontade
A culpa não é do sol
se o meu corpo se queimar
a culpa é da vontade
que eu tenho de te abraçar

A culpa não é da praia
se o meu corpo se ferir
a culpa é da vontade
que eu tenho de te sentir

A culpa é da vontade
que vive dentro de mim
e só morre com a idade
com a idade do meu fim
a culpa é da vontade

A culpa não é do mar
se o meu olhar se perder
a culpa é da vontade
que eu tenho de te ver

A culpa não é do vento
s a minha voz se calar
a culpa é do lamento
que suporta o meu cantar

A culpa é da vontade
que vive dentro de mim
e só morre com a idade
com a idade do meu fim
a culpa é da vontade



António Variações

gravado no álbum tu aqui ,interpretado por
Lena d’Água em 1989, (...) e em 26/27 e 28 de Maio de 2005, 3 concertos memoráveis no HotClub de Portugal, em Lisboa

quarta-feira, maio 25, 2005

Por dentro tenho meu mal

Por dentro tenho meu mal,
Que de fora não dá sinal.

Minha nova e doce querela
É invisivel para a gente:
Só a alma a sente,
Que o corpo não é digno dela.
Como a viva centelha
Se encobre no pedernal
Por dentro tenho meu mal.


Luis de Camões

terça-feira, maio 24, 2005

Muriel

Às vezes se te lembras procurava-te
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te já perdido ao encontrar-te
Nada no fundo tinha que dizer-te
e para ver-te verdadeiramente
e na tua visão me comprazer
indispensável era evitar ter-te
Era tudo tão simples quando te esperava
tão disponível como então eu estava
mas hoje há os papéis há as voltas a dar
há gente à minha volta há a gravata
Misturei muitas coisas com a tua imagem
Tu és a mesma mas nem imaginas
como mudou aquele que te esperava
Tu sabes como era se soubesses como é
Numa vida tão curta mudei tanto
que é com certo espanto que no espelho da manhã
distraído diviso a cara que me resta
depois de tudo quanto o tempo me levou
Eu tinha uma cidade tinha o nome de Madrid
havia as ruas as pessoas o anonimato
os bares os cinemas os museus
um dia vi-te e desde então Madrid
se porventura tem ainda para mim sentido
é ser a solidão que te rodeia a ti
Mas o preço que pago por te ter
é ter-te apenas quanto poder ver-te
e ao ver-te saber que vou deixar de ver-te
Sou muito pobre tenho só por mim
no meio destas ruas e do pão e dos jornais
este sol de Janeiro e alguns amigos mais
Mesmo agora te vejo e mesmo ao ver-te não te vejo
pois sei que dentro em pouco deixarei de ver-te
Eu aprendi a ver na minha infância
vim a saber mais tarde a importância desse verbo para os gregos
e penso que se Bach hoje nascesse
em vez de ter composto aquele prelúdio e fuga em ré maior
que esta mesma tarde num concerto ouvi
teria concebido aqueles sweet hunters
que esta noite vi no cinema rosales
Vejo-te agora vi-te ontem e anteontem
e penso que se nunca a bem dizer te vejo
se fosse além de ver-te sem remédio te perdia
Mas eu dizia que te via aqui e acolá
e quando te não via dependia
do momento marcado para ver-te
Eu chegava primeiro e tinha de esperar-te
e antes de chegares já lá estavas
naquele preciso sítio combinado
onde sempre chegavas sempre tarde
ainda que antes mesmo de chegares lá estivesses
se ausente mais presente pela expectativa
por isso mais te via do que ao ter-te à minha frente
Mas sabia e sei que um dia não virás
que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste
ou até se exististe ou se eu mesmo existi
pois na dúvida tenho a única certeza
Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?
Aquela hora certa aquele lugar?
À força de o pensar penso que não
Na melhor das hipóteses estou longe
qualquer de nós terá talvez morrido
No fundo quem nos visse àquela hora
à saída do metro de serrano
sensivelmente em frente daquele bar
poderia pensar que éramos reais
pontos materiais de referência
como as árvores ou os candeeiros
Talvez pensasse que naqueles encontros
em que talvez no fundo procurássemos
o encontro profundo com nós mesmos
haveria entre nós um verdadeiro encontro
como o que apenas temos nos encontros
que vemos entre os outros onde só afinal somos felizes
Isso era por exemplo o que me acontecia
quando há anos nas manhãs de Roma
entre os pinheiros ainda indecisos
do meu perdido parque de villa borghese
eu via essa mulher e esse homem
que naqueles encontros pontuais
decerto não seriam tão felizes como neles eu
pois a felicidade para nós possível
é sempre a que sonhamos que há nos outros
Até que certo dia não sei bem
ou não passei por lá ou eles não foram
nunca mais foram nunca mais passei por lá
Passamos como tudo sem remédio passa
e um dia decerto mesmo duvidamos
dia não tão distante como nós pensamos
se estivemos ali se Madrid existiu
Se portanto chegares tu primeiro porventura
alguma vez daqui a alguns anos
junto de Califórnia vinte e um
que não te admires se olhares e me não vires
Estarei longe talvez tenha envelhecido
terei até talvez mesmo morrido
Não te deixes ficar sequer à minha espera
não telefones não marques o número
ele terá mudado a casa será outra
Nada penses ou faças vai-te embora
tu serás nessa altura jovem como agora
tu serás sempre a mesma fresca jovem pura
que alaga de luz todos os olhos
que exibe o sossego dos antigos templos
e que resiste ao tempo como a pedra
que vê passar os dias um por um
que contempla a sucessão da escuridão e luz
e assiste ao assalto pelo sol
daquele poder que pertencia à lua
que transfigura em luxo o próprio lixo
que tão de leve vive que nem dão por ela
as parcas implacáveis para os outros
que embora tudo mude nunca muda
ou se mudar que se não lembre de morrer
ou que enfim morra mas que não me desiluda
Dizia que ao chegar se olhares e me não vires
nada penses ou faças vai-te embora
eu não te faço falta e não tem sentido
esperares por quem talvez tenha morrido
ou nem sequer talvez tenha existido.


Ruy Belo

O Rei dos Alamos

Quem cavalga tão tarde, ao vento e pela treva?
O cavaleiro é um pai, p'lo filho acompanhado,
Pai que, nos braços seus, o seu filhinho leva,
Cingindo-o muito, afim de o ter agasalhado.

- Porque escondes, meu filho, essa carinha, tanto?
- Dos álamos o Rei, ó meu pai, não o vês?
Não o vês tu, meu pai, coroado e com manto?
- Engana-te, da bruma, algum floco talvez.

- Vem comigo, meu lindo! Ah, vem comigo! Vens?
Contigo jogarei jogos bem divertidos;
Muitas, garridas flores nas minhas ribas tens,
Minha mãe tem para ti muitos áureos vestidos.

- Aos teus ouvidos, pai, dize-me cá não chega
Tudo aquilo que o Rei me promete baixinho?
- Não te inquietes, meu filho, ó meu filho sossega:
Co'as folhas sêcas anda o vento em murmurinho.

- Vê lá, se a vir comigo, ó lindo, te abalanças!
Tenho filhas que bem te saberão tratar,
Minhas filhas, verás! Dançam nocturnas danças,
E assim te embalarão, a dançar e a cantar.

- O teu olhar, meu pai, ainda não devassa
Das princesas o grupo, além, na escuridão?
- Filho, filho, bem vejo o que em tôrno se passa,
Só os salgueiros vês, que entre as névoas estão.

- Gosto muito de ti, dessa linda figura,
Não resistas, senão a força empregarei.
- Meu pai, o Rei prendeu-me agora com mão dura!
Ai! Quanto me magoou dos álamos o Rei!

O pai, todo a tremer, apressura a montada,
Todo abraçado ao seu queixoso pequenino,
Depois de apuros tais, chega à sua morada,
Porém nos braços seus vai já morto o menino.

Johann Wolfgang von Goethe

segunda-feira, maio 23, 2005

Lied Vom Kindsein

Als das Kind Kind war,
ging es mit hängenden Armen,
wollte der Bach sei ein Fluß,
der Fluß sei ein Strom,
und diese Pfütze das Meer.

Als das Kind Kind war,
wußte es nicht, daß es Kind war,
alles war ihm beseelt,
und alle Seelen waren eins.

Als das Kind Kind war,
hatte es von nichts eine Meinung,
hatte keine Gewohnheit,
saß oft im Schneidersitz,
lief aus dem Stand,
hatte einen Wirbel im Haar
und machte kein Gesicht beim fotografieren.

Als das Kind Kind war,
war es die Zeit der folgenden Fragen:
Warum bin ich ich und warum nicht du?
Warum bin ich hier und warum nicht dort?
Wann begann die Zeit und wo endet der Raum?
Ist das Leben unter der Sonne nicht bloß ein Traum?
Ist was ich sehe und höre und rieche
nicht bloß der Schein einer Welt vor der Welt?
Gibt es tatsächlich das Böse und Leute,
die wirklich die Bösen sind?
Wie kann es sein, daß ich, der ich bin,
bevor ich wurde, nicht war,
und daß einmal ich, der ich bin,
nicht mehr der ich bin, sein werde?

Als das Kind Kind war,
würgte es am Spinat, an den Erbsen, am Milchreis,
und am gedünsteten Blumenkohl.
und ißt jetzt das alles und nicht nur zur Not.

Als das Kind Kind war,
erwachte es einmal in einem fremden Bett
und jetzt immer wieder,
erschienen ihm viele Menschen schön
und jetzt nur noch im Glücksfall,
stellte es sich klar ein Paradies vor
und kann es jetzt höchstens ahnen,
konnte es sich Nichts nicht denken
und schaudert heute davor.

Als das Kind Kind war,
spielte es mit Begeisterung
und jetzt, so ganz bei der Sache wie damals, nur noch,
wenn diese Sache seine Arbeit ist.

Als das Kind Kind war,
genügten ihm als Nahrung Apfel, Brot,
und so ist es immer noch.

Als das Kind Kind war,
fielen ihm die Beeren wie nur Beeren in die Hand
und jetzt immer noch,
machten ihm die frischen Walnüsse eine rauhe Zunge
und jetzt immer noch,
hatte es auf jedem Berg
die Sehnsucht nach dem immer höheren Berg,
und in jeden Stadt
die Sehnsucht nach der noch größeren Stadt,
und das ist immer noch so,
griff im Wipfel eines Baums nach dem Kirschen in einem Hochgefühl
wie auch heute noch,
eine Scheu vor jedem Fremden
und hat sie immer noch,
wartete es auf den ersten Schnee,
und wartet so immer noch.

Als das Kind Kind war,
warf es einen Stock als Lanze gegen den Baum,
und sie zittert da heute noch.

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When the child was a child
It walked with its arms swinging.
It wanted the stream to be a river
the river a torrent
and this puddle to be the sea.

When the child was a child
It didn’t know it was a child.
Everything was full of life, and all life was one.

When the child was a child
It had no opinions about anything.
It had no habits.
It sat cross-legged, took off running,
had a cowlick in its hair
and didn’t make a face when photographed.

When the child was a child
it was the time of these questions:
Why am I me, and why not you?
Why am I here, and why not there?
When did time begin, and where does space end?

Isn’t life under the sun just a dream?
Isn’t what I see, hear and smell
only the illusion of a world before the world?
Does evil actually exist,
and are there people who are really evil?
How can it be that I, who am I,
didn’t exist before I came to be
and that someday
the one who I am
will no longer be the one I am?

When the child was a child
it choked on spinach, peas, rice pudding
and on steamed cauliflower.
Now it eats all of those
and not just because it has to.

When the child was a child
it once woke up in a strange bed
and now it does so time and time again.
Many people seemed beautiful then
and now only a few, if it’s lucky.
It had a precise picture of Paradise
and now it can only guess at it.
It could not conceive of nothingness
and today it shudders at the idea.

When the child was a child
it played with enthusasm
and now
it gets equally excited
but only when it concerns
its work.

When the child was a child
berries fell into its hand as only berries do
and they still do now.
Fresh walnuts made its tongue raw
and they still do now.
On every mountaintop it had a longing
for yet a higher mountain.
And in each city it had a longing
for yet a bigger city.
And it is still that way.
It reached for the cherries in the treetop
with the elation it still feels today.
It was shy with all strangers
and it still is.
It awaited the first snow
and it still waits that way.

When the child was a child
it threw a stick into a tree like a lance,
and it still quivers there today.


Peter Handke

sábado, maio 21, 2005

Caminho II

Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
--- Bom dia, companheiro --- te saudei,
Que a jornada é maior indo sozinho.

É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei...
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvário,
E queima como a areia!... Foi no entanto

Que chorámos a dor de cada um...
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.

Camilo Pessanha

sexta-feira, maio 20, 2005

Nenhum Sítio

Ouves os meus passos nas escadas?
Quando eu bater à porta
não me reconheceremos.


Que coisa morreu
na minha infância
e está lá a ser eu?
A lâmpada do quarto? A criança?



Em qualquer sítio fora de mim
há estas tílias, este jardim,
e há eu a estar lá em mim
e isto lembrando-se em mim

Manuel António Pina

quinta-feira, maio 19, 2005

Manifesto futurista

1. Queremos cantar o amor do perigo, o hábito da energia e da temeridade.

2. A coragem, a audácia, a rebelião, serão elementos essenciais da nossa poesia.

3. Até hoje, a literatura exaltou a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono. Nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo de corrida, o salto mortal, a bofetada e o sopapo.


4. Declaramos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um carro de corrida com a carroçaria enfeitada por grandes tubos de escape como serpentes de respiração explosiva… um carro tonitruante que parece correr entre a metralha é mais belo do que a Vitória de Samotrácia.

5. Queremos cantar o homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada, por sua vez, em corrida no circuito da sua órbita.

6. O poeta terá de se prodigar, com ardor, refulgência e prodigalidade, para aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.

7. Não há beleza senão na luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter agressivo pode ser considerada obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças ignotas, para reduzi-las a prostrar-se perante o homem.

8. Estamos no promontório extremo dos séculos!… Porque deveremos olhar para detrás das costas se queremos arrombar as misteriosas portas do impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós vivemos já no absoluto, pois já criamos a eterna velocidade.

9. Nós queremos glorificar a guerra, o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas idéias por que se morre e o desprezo da mulher.

10. Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de todo o tipo e combater o moralismo, o feminismo e todas as vilezas oportunistas ou utilitárias.

11. Cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela revolta; cantaremos o vibrante fervor noturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas elétricas; as gulosas estações de caminho-de-ferro engolindo serpentes fumegantes; as fábricas suspensas das nuvens pelas fitas do seu fumo; as pontes que saltam como atletas por sobre a diabólica cutelaria dos rios ensolarados; os aventureiros navios a vapor que farejam o horizonte; as locomotivas de vasto peito, galgando os carris como grandes cavalos de ferro curvados por longos tubos e o deslizante vôo dos aviões cujos motores drapejam ao vento como o aplauso de uma multidão entusiástica.


F.T. Marinetti

quarta-feira, maio 18, 2005

Sobre um improviso de John Coltrane

Ainda espero o amor
como no ringue o lutador caído
espera a sala vazia
primeiro vive-se e não se pensa em nada
não me digam a mim
com o tempo apenas se consegue
chegar aos degraus da frente:
é dificil
é cada vez mais difícil entrar em casa
não discuto o que fizeram de nós estes anos
a verdade é de outra importância
mas hoje anuncio que me despeço
à procura de um país de árvores
e ainda se me deixo ficar
um pouco além do razoável
não ouvem?O amor é um cordeiro
que grita abraçado à minha canção


José Tolentino Mendonça

segunda-feira, maio 16, 2005

tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
.
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
.
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
.
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
.
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.


Álvaro de Campos

Poema de um funcionário cansado

A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só.

António Ramos Rosa

domingo, maio 15, 2005

Chicotada

Corre, tempo! Depressa!
Que eu oiça o movimento!
Faz ressoar o vento,
O tropel agoirento dos teus passos,
E leva-me nos braços,
Como um pai desumano do passado,
A esse apetecido
E odiado
Altar,
Onde, fiel a um Deus desconhecido,
Me vais sacrificar.



Miguel Torga

sexta-feira, maio 13, 2005

Bird Talk

'Think'... said the robin
'Think'... said the jay,
sitting in the garden,
talking one day.

'Think about people-
the way they grow:
they don't have feathers
at all you know.

They don't eat beetles,
they don't grow wings,
they don't like sitting
on wires and things.'

'Think'... said the robin
'Think'... said the jay,
'Aren't people funny
to be that way?'

Alieen Fisher

terça-feira, maio 10, 2005

Pudor

Vens, e não sonho mais
Quebra-se a onda do penedo austero.
E o mar recua, sem haver sinais
De que te quero.


Não sei amar, ou amo o que me foge.
Já com Deus foi assim, na juventude:
Dei-lhe a paixão que pude
Enquanto o namorava na distância;
Depois, ou medo, ou ânsia
De maior perfeição,
Vi-o junto de mim e fiquei mudo.
Neguei-lhe o coração.
E então perdi-o, como perco tudo.

Miguel Torga

Café XII

Vais perguntar outra vez porque existes?
Para quê? Para ficares com os olhos
[do tamanho de ilhas tristes?
Pois não sabes que já milhões como tu e como eu
pediram em vão às aves
que procurassem nas nuvens aquela Porta
de que nem a Morte tem as chaves?

E quem a abriu? Quem sabe que Porta é?

(Rapaz! Mais um café!)

José Gomes Ferreira

segunda-feira, maio 09, 2005

Ó rapaz que deitas gatos

Ó rapaz que deitas gatos,
Deitas gatos só em pratos,
Só em tachos e tijelas,
Ou deitas gatos também
Nas almas e no que há nelas
Que as quebra em mal e em bem?

Ah, se, por qualquer magia,
As tuas artes subissem
Àquela melhor mestria
De pôr gatos que se vissem
Nesta alma que se quebrou
No que sonho e no que sou!

Então... Qual então! Que tratos
Dei a um poema que surgiu!
Só consertas, só pões gatos
No inteiro que se partiu.
O que partido nasceu
Nem tu consertas nem eu.

Fernando Pessoa

15. IX .1933

Duende (30)

Já a luz se apagou do chão do mundo,
deixei de ser mortal a noite inteira;
ofensa grave a minha, que tentei
misturar-me aos duendes na floresta.
De máscara perfeita, e corpo ausente,
a todos enganei, e ninguém nunca
saberia que ainda permaneço
deste lado do tempo onde sou gente.
Não fora o gesto humano de querer-te
como quem, tendo sede, vê na água
o reflexo da mão que a oferece,
seria folha de árvore ou sério gnomo
absorto no silêncio de uma rima
onde a morte cessasse para sempre.



António Franco Alexandre

sexta-feira, maio 06, 2005

O desejo do corpo

O desejo do corpo é entrar em si mesmo
e de onda em onda ser uma onda só
que se liberta de todas as amarras
e abre as suas rígidas comportas
Longo subtil e macio é esse gozo
de um túmido movimento que desagua no delta
da nudez extrema em que o corpo encontra
o seu próprio corpo como se fosse um outro
A palavra não pode encontrar-se a si mesma
como se fosse de si mesma outra
porque ela não é um corpo e mesmo quando se despe
a sua nudez é só o anúncio de um corpo inatingível

António Ramos Rosa

quinta-feira, maio 05, 2005

Lamento por Diotima

o que vamos fazer amanhã
neste caso de amor desesperado?
ouvir música romântica
ou trepar pelas paredes acima?
amarfanhar-nos numa cadeira
ou ficar fixamente diante
de um copo de vinho ou de uma ravina?
o que vamos fazer amanhã?
que não seja um ajuste de contas?
o que vamos fazer amanhã
do que mais se sonhou ou morreu?
numa esquina talvez te atropelem,
num relvado talvez me fuzilem
o teu corpo talvez seja meu,
mas que vamos fazer amanhã
entre as árvores e a solidão?

Vasco Graça Moura

terça-feira, maio 03, 2005

Vitória

Onde estão as armas?Só conheço
as armas da minha razão:
e na minha violência não há qualquer lugar

NEM PARA A SOMBRA DE UMA ACÇÃO
QUE NÃO SEJA INTELECTUAL:Haverá motivo para rir
se agora , nesta manhã cinzenta

que mortos já viram, e outros mortos verão,
mas que para nós é só mais uma manhã, grito palavras de luta

sugeridas pelo sonho? Não sei
o que será de mim ao meio –dia, mas o velho poeta está «ab joy»

e fala, como andorinha ou estorninho
-e como um jovem gostaria de morrer.
Onde estão as armas?Não regressam

o dias antigos, eu sei, o Abril vermelho,
de juventude, passou para sempre.
só um sonho, de alegria, pode iniciar

uma estação de dor armada.
Eu que fui um resistente sem armas
-um místico , um imberbe Cavaleiro andante-

sinto agora na vida o germe
horrendamente perfumado da resistência.
Esta manhã, as folhas estão imóveis

como sobre o Tagliamento ou o Livenza:
não é que venha lá um temporal,
ou que a noite esteja prestes a cair, é a ausência

da vida, que se contempla, e se mantém
longe de si mesma, tentando perceber
que terríveis, que serenas

forças a enchem ainda: perfume de Abril!
Um jovem armado por cada fio de erva,
Voluntário por vontade de morrer!


Pier Paolo Pasolini

segunda-feira, maio 02, 2005

Los Borges

Nada o muy poco sé de mis mayores
portugueses, los Borges: vaga gente
que prosigue en mi carne, oscuramente,
sus hábitos, rigores y temores.

Tenues como si nunca hubieran sido
y ajenos a los trámites del arte,
indescifrablemente forman parte
del tiempo, de la tierra y del olvido.

Mejor así. Cumplida la faena,
son Portugal, son la famosa gente
que forzó las murallas del Oriente

y se dio al mar y al otro mar de arena.
Son el rey que en el místico desierto
se perdió y el que jura que no ha muerto.


Jorge Luis Borges
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