segunda-feira, abril 30, 2007

Água subterrânea

Perguntai o que existe sob a terra,
que estranha profecia se ouve, que amplo,
que formoso porvir espera...
Perguntai o que existe sob a terra.
Agora posso dizê-lo, agora vejo-o
e acredito nele, toco-o em carne viva,
ponho ao nível da esperança
meu coração.Em algum sítio,
se atravessais a fronteira, se partimos
deste jardim queimado, sei que há flores
de liberdade.E sonho só.
Apenas o sonho está presente, o resto é água
passada.Não olheis.Dai-a por morta,
dizei que estava envenenada.Não
olheis para trás.Eu vejo-o.Avizinha-se
um bom tempo, uma luz livre, ouve-se
um vento formoso em nossas almas:sopra
nelas, canta nelas, derrama-se
também sobre elas.Ai!Dizei, dizei-me
que ainda tendes fé, que ainda não vos tiraram
a fé, que, como o menino que se perde,
mas foi deixando pedras prodigiosas
pelo caminho, ireis até à casa
da verdade comum, e uma vez lá dentro
dizei que brindaremos todos juntos,
todos puros, todos alegres, como
se as portas da pátria de repente se abrissem.

Carlos Sahagún

domingo, abril 29, 2007

Epígrafe para a nossa solidão

Cruzámos nossos olhos em alguma esquina
demos civicamente os bons dias:
chamar-nos-ão vais ver contemporâneos

Ruy Belo

quarta-feira, abril 25, 2007

Um dia diferente

Amanhã
quando nascer um hino de alegria
em todos os olhares
de todas as crianças

quando o meu sangue vermelho
e a minha boca vermelha
se transformarem

e quando amadurecerem nos meus braços
as espigas dos meus dedos
e os homens finalmente se encontrarem
e se chamarem de novo irmãos

e quando houver em cada pensamento
a raiz futura de um poema
e uma verdade pura em cada beijo
e em cada beijo uma cançao de paz

amanhã
meu amor minha pátria meu poema
cantaremos a cada aurora
um dia diferente

Joaquim Pessoa

segunda-feira, abril 23, 2007

Remate para qualquer poema

Passeou pelos espelhos dos dias
suas clandestinas alegrias
que mal se reflectiram desertaram

Ruy Belo

domingo, abril 15, 2007

Óstia

Um desses atrasos no aeroporto de Fiumicino
e eis-nos em salto desprovido por estas ruas
além do parque arqueológico
a cidade assemeha-se a um acampamento desolado
varandas cheias de caixotes e detritos
(devem ser exíguas as casas económicas)
muros com imprecações aos de Roma
e a débil força messiânica entregue
aos ídolos do futebol

Sem darmos conta já estávamos encalhados
numa qualquer estrada secundária
junto a un matagal circundado de rede
onde um letreiro quase ao acaso
diz ter morrido
Pier Paolo Pasolini

José Tolentino Mendonça

sexta-feira, abril 13, 2007

A Pantera

De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.

A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.

De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração.


Rainer Maria Rilke

segunda-feira, abril 09, 2007

El viento y el alma

Con tal vehemencia el viento
viene del mar, que sus sones
elementales contagian
el silencio de la noche.

Solo en tu cama le escuchas
insistente en los cristales
tocar, llorando y llamando
como perdido sin nadie.

Mas no es él quien en desvelo
te tiene, sino otra fuerza
de que tu cuerpo es hoy cárcel,
fue viento libre, y recuerda.



Luis Cernuda

quarta-feira, abril 04, 2007

Zoologia:Tigre de circo

Puseram a jaula de frente para o mar.
Lá dentro, o tigre está imóvel, fixando
as ondas.Mas o seu espírito não está ali:
ruge com o vento, com o mar,com as marés;
e paira, como um pássaro, sobre este mundo
baixo e preso às leis imutáveis da terra.

Nuno Júdice

domingo, abril 01, 2007

Balada del seno desnudo

¡Mangos!...¡Mira!...¡Tantos!
¡Oh!...¡Uno maduro...!
(Dio un salto..¡y salióse
su seno desnudo!).

¡Yo salté del árbol!
¡Upa!...¡Tan!...(¡Qué rudo!)
¡Por mirar de cerca
su seno desnudo!.

¡Me miró asustada!
Cubrió... lo que pudo(¡Qué rudo!)
y... ¡huyó!...¿Qué robaba?
¡su seno desnudo!.

Lejana...lejana...
me envió su saludo.
(yo seguía mirando
su seno desnudo).

Perfume silvestre
de mangos maduros,
¿por qué me recuerdas
su seno desnudo?

Rogelio Sinán
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