quinta-feira, agosto 31, 2006

Muito além deste mar

Muito além deste mar, do outro lado,
a guerra continua,
prosseguem essas tardes intensas de poeira e de metralha,
combates fatais calcinam a vida e o futuro;
eles garantem órfãos, entrevados, o vazio inumerável;
assassinam homens e searas, envenenam rios
extinguindo a existência de novos mananciais,
destruindo museus, queimando livros.
Nos gabinetes ovais políticos de alma mutilada,
a consciência escassa e o ódio acumulado,
patrocinam a luta desigual contra os miseráveis,
esse doentio afã de colher violências,
a importante tarefa de aniquilar cidades e fronteiras.
Dão ordens precisas para a destruição ainda incompleta,
estimando as cifras que pode cumular tal holocausto.
Com finas bandeirinhas de ouro e adornos de diamante
marcam em seus mapas os lugares da angústia,
os objetivos tácticos (trincheiras, estradas,
hospitais, armazéns e silos, consulados,
mulheres indefesas e idosos, a inocência infantil).
são os grandes perigos, inatos inimigos
das civilizações do luxo e do "comfort".
É o Ocidente culto ainda espreguiçando-se,
furioso defendendo a sua maneira de viver
com as suas torres perfeitas e os pobres esquecidos,
fogosas companheiras ricamente vestidas
e os filhos bem trajados, os licores dourados.
Eis o terror legal contra o horror fanático,
a razão das armas, o sofrimento dos outros.
Mas tanto uns quanto os outros, políticos infames
e chefes aguerridos, espalham agonia
na frente de batalha com suas armas perversas,
embora líder algum deixe seu quarto
para ir encontrar-se com os outros guerrilheiros
nesses campos tão tristes da dor e das batalhas.
Entretanto bem suave balança o Mediterrâneo,
nosso mar necessário, aprazível, vital,
e busca sua extinção da forma mais cruel.
As águas vão lambendo as rochas carcomidas,
mexendo com as areias, regando as orlas imundas
e deixando uma oração pela morte nas praias.
Custa-nos entender esses terrores cegos,
custosa inutilidade de calculada ignomínia,
pólvora, napalm, gás de mostarda, mísseis efectivos,
sangue e sangue, dólares transformados em punhais,
tanta legalidade malvada e bombas assassinas.
o mar segue expectante, com toda a sua dor
muito além ou aqui perto, esperando a vida,
a paz obrigatória, o sol sobre as águas.
Onde estão as sementes do amor?
Onde fica a afeição humana?


Manuel Quiroga Clérigo
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