segunda-feira, julho 30, 2007

Fanny e Alexandre

(...)Amanda, Fanny e Alexandre declaram-se satisfeitos com este acordo,os pais beijam-se.Quando finalmente se preparam para abandonar o quarto, Alexandre ergue-se na sua cama.
ALEXANDRE:
Amanhã, depois de amanhã e depois de depois de amanhã
Desliza em pequenos passos, de dia para dia
Até à última silaba do registo do tempo;
E todos os nossos ontens o que fazem è iluminar
Pela mão de loucos o caminho da morte poeirenta.
Apaga-te, apaga-te, ó pequeno archote!
A vida é apenas um fantasma errante,
Um pobre actor que se pavoneia
E agita durante o seu tempo de cena
E depois ninguém mais ouve.É uma história
Contada por um idiota, plena de ruído e de fúria
E que nada significa...

O público aplaude.A porta do quarto volta a fechar-se.Um momento de silêncio.
FANNY:Quando é que aprendeste isso?
ALEXANDRE:Conheço o papel.Penso estrear-me com o Macbeth.
AMANDA:Tu!
ALEXANDRE:Sim, eu.(Silêncio)Minha Pavlova dos pés chatos.

Ingmar Bergman

quarta-feira, julho 18, 2007

Páginas III

(...)Arles!A Terra grande dos pintores.Para Van Gogh esta terra é sem adjectivos, mas cheia de ciprestes.Arles tem o poder de êxtase dado por uma tela de amarelos, a terra investe como um Miura à passagem da capaou ao poder do pincel-,país grande esta parte da França, país de luz e de extensão em paralelo dado pela montanha.Tudo é trigo em fortaleza de amarelos numa luz estranha louca infernal sem eu poder entender avantesmas daltónicas.Possuo-me de telas a olhar para isto tudo e aceito a influência infernal da luz no espírito fraco do pintor holandês-aceito mesmo o momento de fraqueza que o leva a querer matar Gauguin e numa encruzilhada da estrada lá está escrito o nome: St. Rémy.Foi aí, no hospital, que o maior bebedor de matizes se loucou daquela paisagem.Aceito mesmo que ele tivesse cortado de propósito a própria orelha pois era a única resposta física ao apelo brutal da natureza.Ciprestes milhares de ciprestes em rectângulos imperfeitos, ciprestes à berma da estrada acompanhando hirtos a passagem da nossa busca.Amarelos e ciprestes, ciprestes mais ciprestes numa loucura só repartida por amarelos, não há mais nada, a não ser uma carripana ou um comboio a passar no descampado.(...)


Ruben A.

quarta-feira, julho 11, 2007

Heróstrato e a busca da imortalidade

(...) Em qualquer sociedade,e em qualquer época, há três sociedades e três épocas. Há, em primeiro lugar,e subjacente a tudo, a humanidade e esse tempo indefinido da sua duração a que a nossa linguagem contingente chama eternidade. «O Homem tem a eternidade» diz Browning, embora seja possível que ele tenha querido dizer algo diferente. Há, depois, e acima dela, a civilização a que essa sociedade e essa época pertencem. Há, por fim, as pequenas coisas específicas do aqui e agora.
Estes três níveis podem ter uma estrutura semelhante ou diferente.
Na Grécia antiga, eram praticamente contínuos. A Grécia e a civilização eram coextensivas, ou consubstanciais. A Grécia antiga e a sua civilização, sendo o início da sociabilidade crítica, ou seja, da própria civilização, eram idênticas à substância da humanidade civilizada. Assim, quando um poeta escrevia como um grego, escrevia como um homem. Este Paraíso não foi recuperado. Os arcanjos expulsaram dele o Homem e guardam eternamente as suas portas inúteis.
Um poeta grego, para ser célebre, tinha de adaptar-se a um ambiente. Nós temos três ambientes à escolha.para nos adaptarmos a todos eles, cada um de nós tem de ser uma trindade, o que é demais até para a loucura.(...)
Fernando Pessoa

terça-feira, julho 10, 2007

Caminho sem pés e sem sonhos

Caminho sem pés e sem sonhos
só com a respiração e a cadência
da muda passagem dos sopros
caminho como um remo que se afunda.

os redemoinhos sorvem as nuvens e os peixes
para que a elevação e a profundidade se conjuguem.
avanço sem jugo e ando longe

de caminhar sobre as águas do céu.



Daniel Faria

segunda-feira, julho 02, 2007

The City

You said: "I'll go to another country, go to another shore,
find another city better than this one.
Whatever I try to do is fated to turn out wrong
and my heart lies buried like something dead.

How long can I let my mind moulder in this place?
Wherever I turn, wherever I look,
I see the black ruins of my life, here,
where I've spent so many years, wasted them, destroyed them totally."
You won't find a new country, won't find another shore.
This city will always pursue you.
You'll walk the same streets, grow old
in the same neighborhoods, turn gray in these same houses.
You'll always end up in this city. Don't hope for things elsewhere:
there's no ship for you, there's no road.
Now that you've wasted your life here, in this small corner,
you've destroyed it everywhere in the world.

Constantine P. Cavafy
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