sábado, setembro 30, 2006

Cena do ódio

A Álvaro de Campos a dedicação intensa de todos os meus avatares.
Foi escrito durante os três dias e as três noites que
durou a revolução de 14 de Maio de 1915

Ergo-Me Pederasta apupado d'imbecis,
Divinizo-Me Meretriz, ex-líbris do Pecado,
e odeio tudo o que não Me é por Me rirem o Eu!
Satanizo-Me Tara na Vara de Moisés!
O castigo das serpentes é-Me riso nos dentes,
Inferno a arder o Meu Cantar!
Sou Vermêlho-Niagara dos sexos escancarados nos chicotes
dos cossácos!
Sou Pan-Demónio-Trifauce enfermiço de Gula!
Sou Génio de Zaratrusta em Taças de Maré-Alta!
Sou Raiva de Medusa e Danação do Sol!
Ladram-Me a Vida por vivê-La
e só Me deram Uma!
Hão-de lati-La por sina!
Agora quero vivê-La!
Hei-de Poeta cantá-La em Gala sonora e dina
Hei-de Glória desanuviá-La!
Hei-de Guindaste içá-La Esfinge
da Vala pedestre onde Me querem rir!
Hei-de trovão-clarim levá-La Luz
às Almas-Noites do Jardim das Lágrimas!
Hei-de bombo rufá-La pompa de Pompeia
nos Funerais de Mim!
Hei-de Alfange-Mahoma
cantar Sodoma na Voz de Nero!
Hei-de ser Fuas sem Virgem do Milagre,
hei-de ser galope opiado e doido, opiado e doido...
Hei-d' Átila, hei-de Nero, hei-de Eu,
cantar Atila, cantar Nero, cantar Eu!
Sou Narciso do Meu Ódio!
- O Meu ódio é Lanterna de Diógenes,
é cegueira de Diógenes,
é cegueira da Lanterna!
(O Meu Ódio tem tronos d' Herodes,
histerismos de Cleópatra, perversões de Catarina!)
O Meu ódio é Dilúvio Universal sem Arcas de Noé, só
Dilúvio Universal!
e mais Universal ainda:
Sempre a crescer, sempre a subir...
até apagar o Sol!
Sou trono de Abandono, mal-fadado,
nas iras dos Bárbaros meus Avós.
Oiço ainda da Berlinda d'Eu ser sina
gemidos vencidos de fracos,
ruídos famintos de saque,
ais distantes de Maldição eterna em Voz antiga!
Sou ruínas rasas, inocentes
como as asas de rapinas afogadas.
Sou relíquias de mártires impotentes
sequestradas em antros do Vício.
Sou clausura de Santa professa,
Mãe exilada do Mal, Hóstia d'Angústia no Claustro,
freira demente e donzela,
virtude sozinha da cela
em penitência do sexo!
Sou rasto espezinhado d'Invasores
que cruzaram o meu sangue, desvirgando-o.
Sou a Raiva atávica dos Távoras,
o sangue bastardo de Nero,
o ódio do último instante
do Condenado inocente!
A podenga do Limbo mordeu raivosa
as pernas nuas da minh'Alma sem baptismo...
Ah! que eu sinto, claramente,
que nasci de uma praga de ciúmes!
Eu sou as sete pragas sobre o Nilo e a Alma dos Bórgias a
penar!
Tu, que te dizes Homem!
Tu, que te alfaiatas em modas
e fazes cartazes dos fatos que vestes

p'ra que se não vejam as nódoas de baixo!
Tu, qu'inventaste as Ciências e as Filosofias,
as Políticas, as Artes e as Leis,
e outros quebra-cabeças de sala
e outros dramas de grande espectáculo
Tu, que aperfeiçoas sabiamente a arte de matar.
Tu, que descobriste o cabo da Boa-Esperança
e o Caminho Marítimo da índia
e as duas Grandes Américas,
e que levaste a chatice a estas Terras
e que trouxeste de lá mais gente p'raqui
e qu'inda por cima cantaste estes Feitos...
Tu, qu'inventaste a chatice e o balão,
e que farto de te chateares no chão
te foste chatear no ar,
e qu'inda foste inventar submarinos
p'ra te chateares também por debaixo d'água,
Tu, que tens a mania das Invenções e das Descobertas
e que nunca descobriste que eras bruto,
e que nunca inventaste a maneira de o não seres
Tu consegues ser cada vez mais besta
e a este progresso chamas Civilização!
Vai vivendo a bestialidade na Noite dos meus olhos,
vai inchando a tua ambição-toiro
'té que a barriga te rebente rã.
Serei Vitória um dia -Hegemonia de Mim!
e tu nem derrota, nem morto, nem nada.
O Século-dos-Séculos virá um dia
e a burguesia será escravatura
se for capaz de sair de Cavalgadura!
Hei-de, entretanto, gastar a garganta
a insultar-te, ó besta!
Hei-de morder-te a ponta do rabo
e por-te as mãos no chão, no seu lugar!
Ahi! Saltimbanco-bando de bandoleiros nefastos!
Quadrilheiros contrabandistas da Imbecilidade!
Ahi! Espelho-aleijão do Sentimento,
macaco-intruja do Alma-realejo!
Ahi! macrelle da Ignorância!
Silenceur do Génio-Tempestade!
Spleen da Indigestão!
Ahi! meia-tigela, travão das Ascensões!
Ahi! povo judeu dos Cristos mais que Cristo!
Ó burguesia! Ó ideal com i pequeno
Ó ideal ricócó dos Mendes e Possidonios
Ó cofre d'indigentes
Cuja personalidade é a moral de todos!
Ó geral da mediocridade!
Ó claque ignóbil do Vulgar, protagonista do normal!
Ó Catitismo das lindezas d'estalo!
Ahi! lucro do fácil,
cartilha-cabotina dos limitados, dos restringidos!
Ai! dique-impecilho do Canal da Luz!
Ó coito d'impotentes
a corar ao sol no riacho da Estupidez!
Ahi! Zero-barómetro da Convicção!
bitola dos chega, dos basta, dos não quero mais!
Ahi! Plebeísmo Aristocratizado no preço do panamá!
erudição de calça de xadrez!
competência de relógio d'oiro
e correntes com suores do Brasil,
e berloques de cornos de búfalo!
E eu vivo aqui desterrado e Job
da Vida-gémea d'Eu ser feliz!
E eu vivo aqui sepultado vivo
na Verdade de nunca ser Eu!
Sou apenas o Mendigo de Mim-Próprio,
órfão da Virgem do meu sentir.
E como queres que eu faça fortuna
se Deus, por escárnio, me deu Inteligência,
e não tenho sequer, irmãs bonitas
nem uma mãe que se venda para mim?
(Pesam quilos no Meu querer
as salas de espera de Mim.

Tu chegas sempre primeiro...
Eu volto sempre amanhã...
Agora vou esperar que morras.
Mas tu és tantos que não morres...
Vou deixar d'esp'rar que morras
- Vou deixar d'esp'rar por mim!)
Ah! que eu sinto, claramente, que nasci
de uma praga de ciúmes!
Eu sou as sete pragas sobre o Nilo
e a alma dos Bórgias a penar!
E tu, também, vieille-roche, castelo medieval
fechado por dentro das tuas ruínas!
Fiel epitáfio das crónicas aduladoras!
E tu também ó sangue azul antigo
que já nasceste co'a biografia feita!
Ó pajem loiro das cortesias-avozinhas!
Ó pergaminho amarelo-múmia
das grandes galas brancas das paradas
e das Vitórias dos torneios-lotarias
com donzelas-glórias!
Ó resto de cetros, fumo de cinzas!
Ó lavas frias do Vulcão pirotécnico
com chuvas d'oiros e cabeleiras prateadas!
Ó estilhacos heráldicos de Vitrais
despegados lentamente sobre o tanque do silêncio!
Ó Cedro secular
debruçado no muro da Quinta sobre a estrada
a estorvar o caminho da Mala-posta!
E vós também, ó Gentes de Pensamento,
ó Personalidades, ó Homens!
Artistas de todas as partes, cristãos sem pátria,
Cristos vencidos por serem só Um!
E vós, ó Génios da Expressão,
e vós também, ó Génios sem Voz!
ó além-infinito sem regressos, sem nostalgias,
Espectadores gratuitos do Drama-Imenso de Vós-Mesmos!
Profetas clandestinos
do Naufrágio de Vossos Destinos!
E vós também, teóricos-irmãos-gémeos
do meu sentir internacional!
Ó escravos da Independência!
Vós que não tendes prémios
por se ter passado a vez de os ganhardes,
e famintos e covardes
entreteis a fome em revoltas do Mau-Génio
no boémia da bomba e da pólvora!
E tu também, ó Beleza Canalha
Co'a sensibilidade manchada de vinho!
Ó lírio bravo da Floresta-Ardida
à meia-porta da tua Miséria!
Ó Fado da Má-Sina
com ilustrações a giz
e letra da Maldição!
Ó fera vadia das vielas açaimada na Lei!
Ó xale e lenço a resguardar a tísica!
Ó franzinas do fanico
co'a sífilis ao colo por essas esquinas!
Ó nu d'aluguer
na meia-luz dos cortinados corridos!
Ó oratório da meretriz a mendigar gorjetas
p'rá sua Senhora da Boa-Sorte!
Ó gentes tatuadas do calão!
carro vendado da Penitenciária!
E tu também, ó Humilde, ó Simples!
enjaulados na vossa ignorância!
Ó pé descalço a calejar o cérebro!
Ó músculos da saúde de ter fechada a casa de pensar!
Ó alguidar de açorda fria
na ceia-fadiga da dor-candeia!
Ó esteiras duras pra dormir e fazer filhos!
Ó carretas da Voz do Operário
com gente de preto a pé e filarmónica atrás!
Ó campas rasas, engrinaldadas,
com chapões de ferro e balões de vidro!

Ó bota rota de mendigo abandonada no pó do caminho!
Ó metamorfose-selvagem das feras da cidade!
Ó geração de bons ladrões crucificados na Estupidez!
Ó sanfona-saloia do fandango dos campinos!
Ó pampilho das Lezírias inundadas de Cidade!
ó trouxa d'aba larga da minha lavadeira,
Ó rodopio azul da saia azul de Loures!
E vós varinas que sabeis a sal
as Naus da Fenícia ainda não voltaram?!
E vós também, ó moças da Província
que trazeis o verde dos campos
no vermelho das faces pintadas!
E tu também, ó mau gosto
co'a saia de baixo a ver-se
e a falta d'educação!
Ó oiro de pechisbeque (esperteza dos ciganos)
a luzir no vermelho verdadeiro da blusa de chita!
Ó tédio do domingo com botas novas
e música n'Avenida!
Ó santa Virgindade
a garantir a falta de lindeza!
Ó bilhete postal ilustrado
com aparições de beijos ao lado!
E vós ó gentes que tendes patrões,
autómatos do dono a funcionar barato!
Ó criadas novas chegadas de fora p'ra todo o serviço!
Ó costureiras mirradas,
emaranhadas na vossa dor!
Ó reles caixeiros, pederastas do balcão,
a quem o patrão exige modos lisonjeiros
e maneiras agradáveis pròs fregueses!
Ó Arsenal fadista de ganga azul e coco socialista!
Ó saídas pôr-do-sol das Fábricas d'Agonia!
E vós também, ó toda a gente, que todos tendes patrões!
E vós também, nojentos da Política
que explorais eleitos o Patriotismo!
Macrots da Pátria que vos pariu ingénuos
e vos amortalha infames!
E vós também, pindéricos jornalistas
que fazeis cócegas e outras coisas
à opinião pública!
E tu também roberto fardado:
Futrica-te espantalho engalonado,
apoia-te das patas de barro,
Larga a espada de matar
e põe o penacho no rabo!
Ralha-te mercenário, asceta da Crueldade!
Espuma-te no chumbo da tua Valentia!
Agoniza-te Rilhafoles armado!
Desuniversidadiza-te da doutorança da chacina,
da ciencia da matança!
Groom fardado da Negra,
pária da Velha!
Encaveira-te nas esporas luzidias de seres fera!
Despe-te da farda,
desenfia-te da Impostura, e põe-te nu, ao léu
que ficas desempregado!
Acouraça-te de senso,
vomita de vez o morticínio,
enche o pote de raciocínio,
aprende a ler corações,
que há muito mais que fazer
do que fazer revoluções!
Ruína com tuas próprias peças-colossos
as tuas próprias peças colossais,
que de 42 a 1 é meio-caminho andado!
Rebusca no seres selvagem
no teu cofre do extermínio
o teu calibre máximo!
Põe de parte a guilhotina,
dá férias ao garrote!
Não dês língua aos teus canhões,
nem ecos às pistolas,
nem vozes às espingardas!

– São coisas fora de moda!
Põe-te a fazer uma bomba
que seja uma bomba tamanha
que tenha dez raios da Terra.
Põe-lhe dentro a Europa inteira,
os dois pólos e as Américas,
a Palestina, a Grécia, o mapa
e, por favor, Portugal!
Acaba de vez com este planeta,
faze-te Deus do Mundo em dar-lhe fim!
(Há tanta coisa que fazer, Meu Deus!
e esta gente distraída em guerras!)
Eu creio na transmigração das almas
por isto de Eu viver aqui em Portugal.
Mas eu não me lembro o mal que fiz
durante o Meu avatar de burguês.
Oh! Se eu soubesse que o Inferno
não era como os padres mo diziam:
uma fornalha de nunca se morrer...
mas sim um Jardim da Europa
à beira-mar plantado...
Eu teria tido certamente mais juízo,
teria sido até o mártir São Sebastião!
E inda há quem faça propaganda disto:
a pátria onde Camões morreu de fome
e onde todos enchem a barriga de Camões!
Se ao menos isto tudo se passasse
numa Terra de mulheres bonitas!
Mas as mulheres portuguesas
são a minha impotência!
E tu, meu rotundo e pançudo-sanguessugo,
meu desacreditado burguês apinocado
da rua dos bacalhoeiros do meu ódio
co'a Felicidade em casa a servir aos dias!
Tu tens em teu favor a glória fácil
igual à de outros tantos teus pedaços
que andam desajuntados neste Mundo,
desde a invenção do mau cheiro,
a estorvar o asseio geral.
Quanto mais penso em ti, mais tenho Fé e creio
que Deus perdeu de vista o Adão de barro
e com pena fez outro de bosta de boi
por lhe faltar o barro e a inspiração!
E enquanto este Adão dormia
os ratos roeram-lhe os miolos,
e das caganitas nasceu a Eva burguesa!
Tu arreganhas os dentes quando te falam d'Orpheu
e pões-te a rir, como os pretos, sem saber porquê.
E chamas-me doido a Mim
que sei e sinto o que Eu escrevi!
Tu que dizes que não percebes;
rir-te-has de não perceberes?
Olha Hugo! Olha Zola, Cervantes e Camões,
e outros que não são nada por te cantarem a ti!
Olha Nietzche! Wilde! Olha Rimbaub e Dowson!
Cesário, Antero e outros tantos mundos!
Beethoven, Wagner e outros tantos génios
que não fizeram nada,
que deixaram este mundo tal qual!
Olha os grandes o que são estragados por ti!
O teu máximo é ser besta e ter bigodes.
A questão é estar instalado.
Se te livras de burguês e sobes a talento, a génio,
a seres alguém,
o Bem que tu fizeres é um décimo de seres fera!
E de que serve o livro e a ciência
se a experiência da vida
é que faz compreender a ciência e o livro?
Antes não ter ciências!
Antes não ter livros!
Antes não ter Vida!
Eu queria cuspir-te a cara e os bigodes,
quando te vejo apalermado p'las esquinas
a dizeres piadas às meninas,

e a gostares das mulheres que não prestam
e a fazer-lhes a corte
e a apalpar-lhes o rabo,
esse tão cantado belo cu
que creio ser melhor o teu ideal
que a própria mulher do cu grande!
E casaste-te com Ela,
porque o teu ideal veio pegado a Ela,
e agora à brocha limpas a calva em pinga
à coca de cunhas p'ró Cunha examinador
do teu décimo nono filho
dezanove vezes parvo!
(É o caso mais exemplar de Constância e fidelidade
a tua história sexual co'a Felisberta,
desde o teu primogénito tanso
'té ao décimo nono idiota.)
'Té no matrimónio te maldigo, infame cobridor!
Espécie de verme das lamas dos pântanos
que de tanto se encharcar em gozos
o seu corpo se atrofiou
e o sexo elefantizado foi todo o seu corpo!
Em toda a parte tu és o admirador
e em toda a parte a tua ignorância
tem a cumplicidade da incompetência
dos que te falam 'té dos lugares sagrados.
Sim! Eu sei que tu és juiz
e qu'inda ontem prometeste a tua amante,
despedindo-a num beijo de impotente,
a condenação dos réus que tivesses
se Ela faltasse à matinée da Boa-Hora!
Pulha! E és tu que do púlpito
d'essa barriga d'Água da Curia
dás a ensinança de trote
aos teus dezanove filhos?!
Cocheiros, contai: dezanove!!!
Zute! bruto-parvo-nada
que Me roubaste tudo:
'té Me roubaste a Vida
e não Me deixaste nada!
nem Me deixaste a Morte!
Zute! poeira-pingo-micróbio
que gemes pequeníssimos gemidos gigantes
grávido de uma dor profeta colossal.
Zute! elefante-berloque parasita do não presta!
Zute! bugiganga-celulóide-bagatela!
Zute, besta!
Zute, bácoro!!
Zute, merda!!!
Em toda a parte o teu papel é admirar,
mas (caso inf'liz)
nunca acertas numa admiração feliz.
Lês os jornais e admiras tudo do princípio ao fim
e se por desgraça vem um dia sem jornais,
tens de ficar em casa nos chinelos
porque nesse dia, felizmente,
não tens opinião pra levares à rua.
Mas nos outros dias lá estás a discutir.
É que a Natureza é compensadora:
quem não tem dinheiro p'ra ir ao Coliseu
deve ter cá fora razões p'ra se rir.
Só te oiço dizer dos outros
a inveja de seres como eles.
Nem ao menos, pobre fadista,
a veleidade de seres mais bruto?
Até os teus desejos são avaros
como as tuas unhas sujas e ratadas.
Ó meu gordo pelintrão,
água-morna suja, broa do outro v'rao!
Os homens são na proporção dos seus desejos
e é por isso que eu tenho a Concepção do Infinito...
Não te cora ser grande o teu avô
e tu apenas o seu neto, e tu apenas o seu esperma?
Não te dói Adão mais que tu?
Não te envergonha o teres antes de ti

outros muito maiores que tu?
Jamais eu quereria vir a ser um dia
o que o maior de todos já o tivesse sido
eu quero sempre muito mais
e mais ainda muito pr'além-demais-Infinito...
Tu não sabes, meu bruto, que nós vivemos tão pouco
que ficamos sempre a meio-caminho do Desejo?
Em toda a parte o bicho se propaga,
em toda a parte o nada tem estalagem.
O meu suplício não é somente de seres meu patrício
ou o de ver-te meu semelhante,
tu, mesmo estrangeiro, és besta bastante.
Foi assim que te encontrei na Rússia
como vegetas aqui e por toda a parte,
e em todos os ofícios e em todas as idades.
Lá suportei-te muito! Lá falavas russo
e eu só sabia o francês.
Mas na França, em Paris - a grande capital,
apesar de fortificada,
foi assolada por esta espécie animal.
E andam p'los cafés como as pessoas
e vestem-se na moda como elas,
e de tal maneira domésticos
que até vão às mulheres
e até vão aos domésticos.
Felizmente que na minha pátria,
a minha verdadeira mãe, a minha santa Irlanda,
apenas vivi uns anos d'Infância,
apenas me acodem longinquamente
as festas ensuoradas do priest da minha aldeia,
apenas ressuscitam sumidamente
as asfixias da tísica-mater,
apenas soam como revoltas
as pistolas do suicídio de meu pai,
apenas sinto infantilmente
no leito de uma morta
o gelo de umas unhas verdes,
um frio que não é do Norte,
um beijo grande como a vida de um tísico a morrer.
Ó Deus! Tu que m'os levaste é que sabias
o ódio que eu lhes teria
se não tivessem ficado por ali!
Mas antes, mil vezes antes, aturar os burgueses da My
Ireland
que estes desta Terra
que parece a pátria deles!
Ó Horror! Os burgueses de Portugal
têm de pior que os outros
o serem portugueses!
A Terra vive desde que um dia
deixou de ser bola do ar
p'ra ser solar de burgueses.
Houve homens de talento, génios e imperadores.
Precisaram-se de ditadores,
que foram sempre os maiores.
Cansou-se o mundo a estudar
e os sábios morreram velhos
fartos de procurar remédios,
e nunca acharam o remédio de parar.
E inda eu hoje vivo no século XX
a ver desfilar burgueses
trezentas e sessenta e cinco vezes ao ano,
e a saber que um dia
são vinte e quatro horas de chatice
e cada hora sessenta minutos de tédio
e cada minuto sessenta segundos de spleen!
Ora bolas para os sábios e pensadores!
Ora bolas para todas as épocas e todas as idades!
Bolas pròs homens de todos os tempos,
e prà intrujice da Civilização e da Cultura!
Eu invejo-te a ti, ó coisa que não tens olhos de ver!
Eu queria como tu sentir a beleza de um almoço pontual
e a f'licidade de um jantar cedinho
co'as bestas da família.

Eu queria gostar das revistas e das coisas que não prestam
porque são muitas mais que as boas
e enche-se o tempo mais!
Eu queria, como tu, sentir o bem-estar
que te dá a bestialidade!
Eu queria, como tu, viver enganado da vida e da mulher,
e sem o prazer de seres inteligente pessoalmente!
Eu queria, como tu, não saber que os outros não valem nada
p'ra os poder admirar como tu!
Eu queria que a vida fosse tão divinal
como tu a supões, como tu a vives!
Eu invejo-te, ó pedaço de cortiça
a boiar à tona d'água, à mercê dos ventos,
sem nunca saber que fundo que é o Mar!
Olha para ti!
Se te não vês, concentra-te, procura-te!
Encontrarás primeiro o alfinete
que espetaste na dobra do casaco,
e depois não percas o sítio,
porque estás decerto ao pé do alfinete.
Espeta-te nele para não te perderes de novo,
e agora observa-te!
Não te escarneças! Acomoda-te em sentido!
Não te odeies ainda qu'inda agora começaste!
Enioa-te no teu nojo, mastodonte!
Indigesta-te na palha dessa tua civilização!
Desbesunta te dessa vermência!
Destapa a tua decência, o teu imoral pudor!
Albarda te em senso! Estriba-te em Ser!
Limpa-te do cancro amarelo e podre!
Do lazareto de seres burro!
Desatrela-te do cérebro-carroça!
Desata o nó-cego da vista!
Desilustra-te, descultiva-te, despole-te,
que mais vale ser animal que besta!
Deixa antes crescer os cornos que outros adornos da
Civilização!
Queria-te antes antropófago porque comias os teus
– talvez o mundo fosse Mundo
e não a retrete que é!
Ahi! excremento do Mal, avergonha-te
no infinitamente pequeno de ti com o teu papagaio:
Ele fala como tu e diz coisas que tu dizes
e se não sabe mais é por tua culpa, meu mandrião!
E tu, se não fossem os teus pais,
davas guinchos, meu saguim!
- Tu és o papagaio de teus pais!
Mas há mais, muito mais
que a tua ignorância-miopia te cega.
Empresto-te a minha Inteligência.
Vê agora e não desmaies ainda!
Então eu não tinha razão?
P'ra que me chamavas doido
quando eu m'enjoava de ti?
Ah! Já tens medo?!
Porque te rias da vida
e ias ensuorar as vrilhas nos fauteuils das revistas
co'as pernas fogo de vistas
das coristas de petróleo?
Porque davas palmas aos compéres e actorecos
pelintras e fantoches
antes do palco, no palco e depois do palco?
Ora dize-Me com franqueza:
Era por eles terem piada?
Então era por a não terem
Ah! Era p'ra tu teres piada, meu bruto?!
Porque mandaste de castigo os teus filhos p'r'ás Belas-Artes
quando ficaram mal na instrução primária?
Porque é que dizes a toda a gente que o teu filho idiota
estuda p'ra poeta?
Porque te casaste com a tua mulher
se dormes mais vezes co'a tua criada?
Porque bateste no teu filho quando a mestra
te contou as indecências na aula?

Não te lembras das que tu fizeste
com a própria mestra de moral?
Ou queres tu ser decente,
tu, que tens dezanove filhos?!
Porque choraste tanto quando te desonraram a filha?
Porque lhe quiseste matar o amante?
Não achas isto natural? Não achas isto interessante?
Porque não choraste também pelo amante?...
Deixa! Deixa! Eu não te quero morto com medo de ti-próprio!
Eu quero-te vivo, muito vivo, a sofrer!
Não te despetes do alfinete!
Eu abro a janela pra não cheirar mal!
Galopa a tua bestialidade
na memória que eu faço dos teus coices,
cavalga o teu insecticismo na tua sela de D. Duarte!
Arreia-te de Bom-Senso um segundo! peço-te de joelhos.
Encabresta-te de Humanidade
e eu passo-te uma zoologia para as mãos
p'ra te inscreveres na divisão dos Mamíferos.
Mas anda primeiro ao Jardim Zoológico!
Vem ver os chimpanzés! Acorpanzila-te neles se te ousas!
Sagra-te de cu-azul a ver se eles te querem!
Lá porque aprendeste a andar de mãos no ar
não quer dizer que sejas mais chimpanzé que eles!
Larga a cidade masturbadora, febril,
rabo decepado de lagartixa,
labirinto cego de toupeiras,
raça de ignóbeis míopes, tísicos, tarados,
anémicos, cancerosos e arseniados!
Larga a cidade!
Larga a infâmia das ruas e dos boulevards
esse vaivém cínico de bandidos mudos
esse mexer esponjoso de carne viva
Esse ser-lesma nojento e macabro
Esse S ziguezague de chicote auto-fustigante
Esse ar expirado e espiritista...
Esse Inferno de Dante por cantar
Esse ruído de sol prostituído, impotente e velho
Esse silêncio pneumónico
de lua enxovalhada sem vir a lavadeira!
Larga a cidade e foge!
Larga a cidade!
Vence as lutas da família na vitória de a deixar.
Larga a casa, foge dela, larga tudo!
Nem te prendas com lágrimas, que lágrimas são cadeias!
Larga a casa e verás - vai-se-te o Pesadelo!
A família é lastro, deita-a fora e vais ao céu!
Mas larga tudo primeiro, ouviste?
Larga tudo!
– Os outros, os sentimentos, os instintos,
e larga-te a ti também, a ti principalmente!
Larga tudo e vai para o campo
e larga o campo também, larga tudo!
– Põe-te a nascer outra vez!
Não queiras ter pai nem mãe,
não queiras ter outros nem Inteligência!
A Inteligência é o meu cancro
eu sinto-A na cabeça com falta de ar!
A Inteligência é a febre da Humanidade
e ninguém a sabe regular!
E já há Inteligência a mais pode parar por aqui!
Depois põe-te a viver sem cabeça,
vê só o que os olhos virem,
cheira os cheiros da Terra
come o que a Terra der,
bebe dos rios e dos mares,
- põe-te na Natureza!
Ouve a Terra, escuta-A.
A Natureza à vontade só sabe rir e cantar!
Depois, põe-te a coca dos que nascem
e não os deixes nascer.
Vai depois pla noite nas sombras
e rouba a toda a gente a Inteligência
e raspa-lhos a cabeça por dentro

co'as tuas unhas e cacos de garrafa,
bem raspado, sem deixar nada,
e vai depois depressa muito depressa
sem que o sol te veja
deitar tudo no mar onde haja tubarões!
Larga tudo e a ti também!
Mas tu nem vives nem deixas viver os mais,
Crápula do Egoísmo, cartola d'espanta-pardais!
Mas hás-de pagar-Me a febre-rodopio
novelo emaranhado da minha dor!
Mas hás-de pagar-Me a febre-calafrio
abismo-descida de Eu não querer descer!
Hás-de pagar-Me o Absinto e a Morfina
Hei-de ser cigana da tua sina
Hei-de ser a bruxa do teu remorso
Hei-de desforra-dor cantar-te a buena-dicha
em águas fortes de Goya
e no cavalo de Tróia
e nos poemas de Poe!
Hei-de feiticeira a galope na vassoura
largar-te os meus lagartos e a Peçonha!
Hei-de Vara Magica encantar-te Arte de Ganir
Hei-de reconstruir em ti a escravatura negra!
Hei-de despir-te a pele a pouco e pouco
e depois na carne-viva deitar fel,
e depois na carne-viva semear vidros,
semear gumes,
lumes,
e tiros.
Hei-de gozar em ti as poses diabólicas
dos teatrais venenos trágicos do persa Zoroastro!
Hei-de rasgar-te as virilhas com forquilhas e croques,
e desfraldar-te nas canelas mirradas
o negro pendão dos piratas!
Hei-de corvo marinho beber-te os olhos vesgos!
Hei-de bóia do Destino ser em brasa
e tua náufrago das galés sem horizontes verdes!
E mais do que isto ainda, muito mais:
Hei-de ser a mulher que tu gostes,
hei-de ser Ela sem te dar atenção!
Ah! que eu sinto claramente que nasci
de uma praga de ciúmes.
Eu sou as sete pragas sobre o Nilo
e a Alma dos Bórgias a penar!...
de José Almada Negreiros
poeta sensacionista
e Narciso do Egipto


Almada Negreiros

Spring fjord

I was out in my kayak
I was out at sea in it
I was paddling
very gently in the fjord Ammassivik
there was ice in the water
and on the water a petrel
turned his head this way that way
didn't see me paddling
Suddenly nothing but his tail
then nothing
He plunged but not for me:
huge head upon the water
great hairy seal
giant head with giant eyes, moustache
all shining and dripping
and the seal came gently toward me
Why didn't I harpoon him?
was I sorry for him?
was it the day, the spring day, the seal
playing in the sun
like me?

Poema Esquimó
de autor anónimo

sexta-feira, setembro 29, 2006

Open Letter to Freud

In man's body an extra limb
Invested with eternal power, earth's ownership
According to Mr Freud for lack of it woman is inferior
As an underling she envies man's virility

Nature is uncaring
Man is uncaring
Children are uncaring
Only Freud cares for women!

Who cares for compassion! Chitrangada? Joan of Arc?
Simone de Beauvoir or dark Draupadi!

“Penis-envy” is a term
Introduced by Mr. Freud
That extra which only man possesses
That's what diminishes woman
So she is uncertain in childhood
Decorates the Shivalinga with flowers at girlhood
Her playroom is full of dolls and utensils
For it's said that she is her mother's replica.

Whereas Rohit rehearses for war
American soldiers in fatigues in his room
Machineguns fusillade tra-ra-ra
As man's aggressiveness grows in him
If he claws cheeks with sharp nails
Man-child's extra prowess makes grandmothers beam
That extra bit in his body, that's the licence
Which will make him the world's owner.

Rohit will be the owner of which world?
Where Rohita is his partner! Inferior sex!
On galloping horseback with drawn sword
Emperor Rohit will set out to conquer the world
And he will be decked for war by mother, sister, wife
This is just what you wanted, Mr Freud!
If a woman warrior arrives from the opposite side
Will he abandon arms like Bhishma –
“I will not take up arms against women”
Implying woman won't be allowed to acquire arms –

This is primal man's sexual politics
Freud, because you belong to the extra-limb group
You assume women are inferior and hence envious!

During my childhood I felt no penis-envy
My identity was complete
Even today I'm a confident, complete woman,
A sensitive dark girl of the Third World
Shall stand against you from today
Who is inferior, who superior, which is more or less –
Who has given you the duty of solving
Such a political debate Mr Freud!!


Mallika Sengupta

quinta-feira, setembro 28, 2006

Acordai (a minha homenagem a Fernando Lopes Graça)

Acordai
acordai
homens que dormis
a embalar a dor
dos silêncios vis
vinde no clamor
das almas viris
arrancar a flor
que dorme na raíz

Acordai
acordai
raios e tufões
que dormis no ar
e nas multidões
vinde incendiar
de astros e canções
as pedras do mar
o mundo e os corações

Acordai
acendei
de almas e de sóis
este mar sem cais
nem luz de faróis
e acordai depois
das lutas finais
os nossos heróis
que dormem nos covais
Acordai!


José Gomes Ferreira

terça-feira, setembro 26, 2006

Alanus

Borysthenes Alanus,
the swift horse of Caesar,
who was accustomed to fly
through the sea and the marshes
and the Etruscan mounds,
while pursuing Pannonian boars, not one boar
dared him to harm
with his white tooth:
the saliva from his mouth
scattered even the meanest tail,
as it is custom to happen.
But killed on a day in his youth,
his healthy, invulnerable body
has been buried here in the field.

Adriano



Borysthenes Alanus,
Caesareus veredus,
per aequor et paludes
et tumulos Etruscos
volare qui solebat,
Pannonicos nec ullus
apros eum insequentem
dente aper albicanti
ausus fuit nocere:
sparsit ab ore caudam
vel extimam saliva,
ut solet evenire.
Sed integer iuventa
inviolatus artus
die sua peremptus
hic situs est in agro.

Hadriani

segunda-feira, setembro 25, 2006

sem título

Saí para o jardim.
O nosso gato , sentado no muro,
Estará à tua espera?


Penso que sim.
É uma gata com olhos belos.
Como os teus.

I&C

Dues Lhénguas


Andube anhos a filo cula lhéngua trocida pula
oubrigar a salir de l sou camino i tener de
pensar antes de dezir las palabras ciertas:
ua lhéngua naciu-me comi-la an merendas bebi-la an fuontes i rigueiros
outra ye çpoijo dua guerra de muitas batailhas.
Agora tengo dues lhénguas cumigo
i yá nun passo sin ambas a dues.
Stou siempre a trocar de lhéngua meio a miedo
cumo se fura un caso de bigamie.
Ua sabe cousas que la outra nun conhece
ríen-se ua de la outra fazendo caçuada i a las bezes anrábian-se
afuora esso dan-se tan bien que sonho nas dues al miesmo tiempo.
Hai dies an que quiero falar ua i sale-me la outra.
Hai dies an que quedo cun ua deilhas tan amarfanhada que se nun la falar arrebento.
Hai dies an que se m’angarabátan ua an la outra
i apuis bótan-se a correr a ber quien chega purmeiro
i muitas bezes acában por salir ancatrapelhadas ua an la outra
i a mi dá-me la risa.
Hai dies an que quedo todo debelgado culas palabras por dezir
i ancarrapito-me neilhas cumo ua scalada
i deixo-las bolar cumo música
cul miedo que anferrúgen las cuordas que las sáben tocar.
Hai dies an que quiero bertir ua pa la outra
mas las palabras scónden-se-me
i passo muito tiempo atrás deilhas.
Antre eilhas debíden l miu mundo
i quando pássan la frunteira sínten-se meio perdidas
i fártan-se de roubar palabras ua a la outra.
Ambas a dues pénsan
mas hai partes de l coraçon an que ua deilhas nun cunsigue antrar
i quando s’achega a la puorta pon l sangre a golsiar de las palabras.
Cada ua fui porsora de la outra:
l mirandés naciu purmeiro i you afize-me a drumir arrolhado puls sous sonidos calientes
cumo lúrias
i ansinou l pertués a falar guiando-le la boç;
l pertués naciu-me an la punta de ls dedos
i ansinou l mirandés a screbir porque este nunca tube scuola para adonde ir.
Tengo dues lhénguas cumigo
dues lhénguas que me fazírun
i yá nun passo nien sou you sin ambas a dues.

Fracisco Niebro

sexta-feira, setembro 22, 2006

Il vetrino

Una sera, ero in ritardo, con un asciugamano, inavvertitamente, ho urtato una preziosa
bottiglietta di profumo, che è caduta. I pezzi sono stati raccolti, quasi tutti in un primo
momento, altri nel corso del tempo, a mano a mano diminuendo le proporzioni dei
reperti. Dopo un mese in un anfratto del pavimento è comparso un vetrino
trasparente, ma nessuno l’ha raccolto.

È passato altro tempo, ogni volta che entravo nel bagno
lo vedevo e mi ripromettevo: “Prima di uscire
lo raccolgo e lo butto”,
e nelle mie faccende lo tenevo d’occhio
perché non se ne andasse o scomparisse
tra le frange del tappeto o altro.

Ma il bagno libera i pensieri e al momento
di uscire dalla stanza un’altra
memoria ne prendeva il posto,
e il vetrino è rimasto e negli ultimi giorni
è diventato un’ossessione, un’ossessione
all’ultimo secondo regolarmente rimossa.

E oggi mi sono impuntato,
mi sono concentrato più di ieri
e più dell’altro ieri e ce l’ho fatta:
è stata una vittoria graduale
di una memoria su altre memorie.

Ho allungato la mano e con sorpresa
il vetro non ha opposto resistenza:
è stato docile, si è fatto raccogliere
come se per tutto questo tempo
avesse atteso me, il mio intervento.

Adesso non so se per pietà, per un senso del dovere
per rispetto o per amore l’ho posato
sul nero della scrivania, davanti a me,
e scrivendo lo contemplo e raccolgo
la sua storia di cosa legata alla mia,
e uno stesso appartamento ci contiene.

Sono orgoglioso di averlo salvato
e lui risponde alla luce e manda timidi bagliori.
Ma io ci vedo dentro il firmamento e questa notte
lo metto all’aperto e me lo guardo
perché c’è la luna, perché ritorni,
nella chiara altezza di cobalto, il cielo.




Stefano Dal Bianco




The fragment


One evening, I was late, with a towel, inadvertently, I knocked over a precious bottle
of perfume, which fell. The pieces were picked up, almost all of them right away,
others in the course of time, the extent of the findings gradually diminishing. After a
month, in a crack of the floor a transparent fragment of glass showed up, but
nobody picked it up.

More time went by, every time I went into the bathroom
I would see it and promise myself: “Before going out
I’ll pick it up and throw it away,”
and while I went on with my business I kept an eye on it
so that it wouldn’t go away or disappear
under the fringes of the carpet or something.

But bathrooms free your thoughts and when the moment came
to leave that room for another, another
memory took its place,
and the fragment stayed and in the last few days
it became an obsession, an obsession
regularly forgotten at the last moment.

And today I set my mind on it,
I concentrated more than yesterday
and more than the day before yesterday and I made it:
it was a gradual victory
of a memory over other memories.

I reached out my hand and surprisingly
the fragment offered no resistance:
it was docile, it let itself be picked up
as if all this time
it had been waiting for me, for my intervention.

Now, I don’t know if out of pity, or a sense of duty
out of respect or love I’ve placed it
on the black desk, in front of me,
and while writing I contemplate it and pick up
its story of thing tied to mine,
and one apartment holds us both.

I am proud of having saved it
and it responds to light and sends out shy glows.
But I see the firmament in them and this night
I’ll take it outside and stare at it,
for the moon is out, for the sky,
in the clear cobalt height, to return.




Traduzido por Gabriele Poole

quinta-feira, setembro 21, 2006

Jazz variation

o mother africa
your jazz language quivers with a black affricate
in the downpour of sounds – in the polyphony –
in the quiet snows of kilimanjaro –
the longing of spirituals flows out of the saxaphone’s ivory
through a harlem cesspit – the stench of abandoned buildings –
the wolf berries of your children
through the insatiable gut of eternal hunger
through your always expectant daughters

o mother africa
the black olives of your eyes – the black downpour of hair
your daughters ripen faster than fruits
and the latter fall faster than the former
– as if through the silver of trinkets – they dress
in the clothing of love’s sweat –
their dance pulsates like a restless vein
like the gnashing of teeth and the shout of lawrence’s turtle
they are malicious and thirsting

through your music – o mother africa –
the bodies of plants and animals fill up
it – is in the funnels of elephant trunks
and in the buzzing of mosquito orchestras
the shrieks of a hawk’s victim
the dried-out stems of thistle
booming blows to a stretched buffalo skin
it burns – like the skin torn from the buffalo –
the silver gullets of your singers
they gargle the baked dry wind
and toss it out the way a bird feeds its
offspring with predigested, raw meat

o mother africa
i hear your ancient jazz and your dark language of life
in the underground passageway
that is blown through with all the atlantic winds
oversalted sounds of saxaphone melodies
that your son of cotton blows
rocking continually
he fingers the instrument’s keys – as if he were husking corn –
he blows out the melody of your eternal
and incomprehensible longing

o mother Africa


Vasyl Makhno

quarta-feira, setembro 20, 2006

A Glass of Beer

The perfect murder has no reasons, he said,
the perfect murder needs only a perfect object,
as it was in Auschwitz.
Not the crematoria, of course, but as it was
afrerwards, outside working hours.
And he fell silent
looking at the froth on the beer
and taking a sip.
The perfect murder is love, he said.
The perfect murder doesn’t require anything perfect
except giving
as much as you can.
Even the memory of gripping the throat
is eternal. Even the howls that rocked my hand,
even the piss that fell like grace on cold flesh,
even the hill that awakens another eternity,
even the silence, he said,
looking at the froth.

True, a decent job
frees a lot, but
a perfect murder doesn’t lose
a drop,
like the lips of a child, he explained,
like sand and froth,
like you
listening,
sipping and listening.


Amir Or

segunda-feira, setembro 18, 2006

Itaca

Cuando emprendas el viaje hacia Ítaca
Ruega que tu camino sea largo,
lleno de aventuras, lleno de descubrimientos.
A Lestrigones, Cíclopes,
al colérico Poseidón –no temas:
nunca hallarás tales seres en tu camino,
nunca mientras altos sean tus pensamientos,
mientras una extraña emoción
estimule tu alma y tu cuerpo.
A Lestrigones, Cíclopes,
al fiero Poseidón, nunca encontrarás
al menos que en tu alma los lleves dentro,
a menos que tu alma los ponga ante ti.
Ruega que el camino sea largo.
Que sean muchas las mañanas de verano en que,
con gran placer y alegría,
entres en puertos desconocidos;
podrías detenerte en los mercados de Fenicia
y comprar hermosas cosas,
coral y nácar, ámbar y ébano,
toda clase de perfumes sensuales...
adquiere tantos como puedas;
podrías visitar muchas ciudades egipcias
y no dejar de aprender de sus sabios.
Que siempre Ítaca esté en tu pensamiento.
Llegar ahí es tu destino.
Pero nunca apresures el viaje.
Es preferible que dure años,
que seas viejo cuando alcances la isla,
rico con todo lo que hayas ganado en el camino,
sin esperar que sea Ítaca la que te haga rico.
Ítaca te dio un maravilloso viaje.
Sin ella no habrías partido.
Pero ya no tiene más que darte.
Y si la encuentras pobre, no creas que Ítaca te ha engañado.
Sabio como te has hecho, tan pleno de experiencia,
Habrás entendido qué significan las Ítacas.

Kavafis

domingo, setembro 17, 2006

A Portugal

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.

Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.

Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço. És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não.

Jorge de Sena

À Memória de Fernando Pessoa


Se eu pudesse fazer com que viesses
Todos os dias, como antigamente,
Falar-me nessa lúcida visão
- Estranha, sensualíssima, mordente;
Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses,
Meu pobre e grande e genial artista,
O que tem sido a vida - esta boemia
Coberta de farrapos e de estrelas
Tristíssima, pedante, e contrafeita,
Desde que estes meus olhos numa névoa
De lágrimas te viram num caixão;
Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses,
Voltávamos à mesma: Tu, lá onde
Os astros e as divinas madrugadas
Noivam na luz eterna de um sorriso;
E eu, por aqui, vadio da descrença
Tirando o meu chapéu aos homens de juízo. . .
Isto por cá vai indo como dantes;
O mesmo arremelgado idiotismo
Nuns senhores que tu já conhecias
- Autênticos patifes bem falantes. . .
E a mesma intriga; as horas, os minutos,
As noites sempre iguais, os mesmos dias,
Tudo igual! Acordando e adormecendo
Na mesma cor, do mesmo lado, sempre
O mesmo ar e em tudo a mesma posição
De condenados, hirtos, a viver
- Sem estímulo, sem fé, sem convicção...
Poetas, escutai-me: transformemos
A nossa natural angústia de pensar
- Num cântico de sonho!, e junto dele,
Do camarada raro que lembramos,
Fiquemos uns momentos a cantar!

António Botto

sexta-feira, setembro 15, 2006

Haiku

brillan d'azzurro
questa notte le stelle
odor di neve
la luna piena:
una sirena bianca
che a sè mi chiama

potere immenso
del Tempo Imperatore
noi siamo nani


blu della notte
splende una stella azzurra
com'è vicina!
mattino azzurro
una cometa bianca
nel ciel s'aggira

ladra d'anime
con sè mi porta via
la luna piena
nel blu profondo
una striscia più chiara
luna velata
viaggia con me
stamattina la luna
lenta sbiadisce
m'appare immensa
la terra solitaria
l'argine in fondo



Ljubas

quinta-feira, setembro 14, 2006

Eles não nos deixam cantar

Eles não nos deixam cantar, Robeson,
Meu canário de asas de águia,
Meu irmão negro de dentes de pérola.
Não nos deixam gritar as nossas canções.
Eles têm medo, Robeson,
Medo da aurora, medo de ver,
Medo de ouvir, medo de tocar.
Eles têm medo de amar,
Medo de amar como Ferhat amou, apaixonadamente.
(Decerto também vocês, irmãos negros,
têm um Ferhat, como lhe chamas, Robeson?)
Eles têm medo da semente e da terra,
Medo da água que corre,
Medo de se lembrarem.
A mão de um amigo
Que não queira desconto, nem comissão, nem moratória,
Nunca virá apertar-lhes a mão
Como um pássaro quente.
Eles têm medo da esperança, Robeson, medo da esperança!
Eles têm medo, meu canário de asas de águia,
Têm medo das nossas canções, Robeson...

Nâzım Hikmet

quarta-feira, setembro 13, 2006

Pasear en verano por cualquier monasterio o iglesia

Placer sólo comparable a pasear una tarde de invierno soleada por el mismo lugar. El silencio fresco que sale de las piedras, que habla y explica historias oscuras de placeres sofocados antes que ni de lejos sean soñados, de frustraciones y miedo de Dios, no me creo rezo pero mira que si se verdad.
No es importante saber quien yace bajo las losas, quienes mandó levantar el edificio, cuanta sudor se derramó entre las grietas de los bloques geométricos , si costó sangre o el dinero que malgastaron hasta que el monumento llegara al final .
Qué santos , obispos o novicios soñaran inutilmente con huir de Dios , ya lo sabéis: quienes huyen de Dios corren en balde.
No importa si es París , Santiago, Palma,València,Burgos , Poblet, Escornalbou, Lisboa, Barcelona , Tomar, Morella o Mafra .
Son los mismos, la misma luz sale de los mármoles ...
Escriptoriums dónde todo se sabe y nada se llama, altares desde donde Cristo mira con decepción (envidia?) a sus fieles,, Claustros (oh los claustros) con pozos y pequeños naranjos dónde festejar los amores mas dulces, cocinas dónde todavía se siento el grito de algun pichón degollado y en voz queda se explican las últimas novedades del pueblo , celdas austeras dónde la mortificación de la carne se insinúa pero no se pone en práctica.
Comedores dónde la voz encantadora recita en latin mil letanías sin mas pretensión que la de engañar el cuerpo, puesto que no hay demasiada carne en el plato para los frailecitos...

Cristaleras por dónde atraviesa el universo entero en tecnicolor. Coros dónde no me puedo resistir y canto, hacia adentro ,pero canto... El trabajo minucioso de los orfebres, las simbologías que tal vez no sean más que bromas de los picapedreros.....
Daos la paz .
Será esto la Paz?
Luísa Muñoz

Lettres de la religieuse portugaise

LETTRE PREMIÈRE



Considère, mon amour, jusqu'à quel excès tu as manqué de prévoyance. Ah malheureux ! tu as été trahi, et tu m'as trahie par des espérances trompeuses. Une passion sur laquelle tu avais fait tant de projets de plaisirs, ne te cause présentement qu'un mortel désespoir, qui ne peut être comparé qu'à la cruauté de l'absence, qui le cause. Quoi ? cette absence, à laquelle ma douleur, toute ingénieuse qu'elle est, ne peut donner un nom assez funeste, me privera donc pour toujours de regarder ces yeux, dans lesquels je voyais tant d'amour et qui me faisaient connaître des mouvements, qui me comblaient de joie, qui me tenaient lieu de toutes choses, et qui enfin me suffisaient ? Hélas ! les miens sont privés de la seule lumière qui les animait, il ne leur reste que des larmes, et je ne les ai employés à aucun usage, qu'à pleurer sans cesse, depuis que j'appris que vous étiez enfin résolu à un éloignement, qui m'est si insupportable, qu'il me fera mourir en peu de temps. Cependant il me semble que j'ai quelque attachement pour des malheurs, dont vous êtes la seule cause : Je vous ai destiné ma vie aussitôt que je vous ai vu ; et je sens quelque plaisir en vous la sacrifiant. J'envoie mille fois le jour mes soupirs vers vous, ils vous cherchent en tous lieux, et ils ne me rapportent pour toute récompense de tant d'inquiétudes, qu'un avertissement trop sincère, que me donne ma mauvaise fortune, qui a la cruauté de ne souffrir pas que je me flatte, et qui me dit à tous moments : Cesse, cesse, Mariane infortunée, de te consumer vainement, et de chercher un Amant que tu ne verras jamais ; qui a passé les Mers pour te fuir, qui est en France au milieu des plaisirs, qui ne pense pas un seul moment à tes douleurs, et qui te dispense de tous ces transports, desquels il ne te sait aucun gré ? Mais non, je ne puis me résoudre à juger si injurieusement de vous, et je suis trop intéressée à vous justifier : Je ne veux point m'imaginer que vous m'avez oubliée. Ne suis-je pas assez malheureuse sans me tourmenter par de faux soupçons ? Et pourquoi ferais-je des efforts pour ne me plus souvenir de tous les soins que vous avez pris de me témoigner de l'amour ? J'ai été si charmée de tous ces soins, que je serais bien ingrate, si je ne vous aimais avec les mêmes emportements, que ma Passion me donnait, quand je jouissais des témoignages de la votre. Comment se peut-il faire que les souvenirs des moments si agréables, soient devenus si cruels ? et faut-il que contre leur nature, ils ne servent qu'à tyranniser mon coeur ? Hélas ! votre dernière lettre le réduisit en un étrange état : il eut des mouvements si sensibles qu'il fit, ce semble, des efforts pour se séparer de moi, et pour vous aller trouver : je fus si accablée de toutes ces émotions violentes, que je demeurai plus de trois heures abandonnée de tous mes sens : je me défendis de revenir à une vie que je dois perdre pour vous, puisque je ne puis la conserver pour vous, je revis enfin, malgré moi, la lumière, je me flattais de sentir que je mourais d'amour ; et d'ailleurs j'étais bien aise de n'être plus exposée à voir mon coeur déchiré par la douleur de votre absence. Après ces accidents, j'ai eu beaucoup de différentes indispositions : mais, puis-je jamais être sans maux, tant que je ne vous verrai pas ? Je les supporte cependant sans murmurer, puisqu'ils viennent de vous. Quoi ? est-ce là la récompense, que vous me donnez, pour vous avoir si tendrement aimé ? Mais il n'importe, je suis résolue à vous adorer toute ma vie, et a ne voir jamais personne ; et je vous assure que vous ferez bien aussi de n'aimer personne. Pourriez-vous être content d'une Passion moins ardente que la mienne ? Vous trouverez, peut-être, plus de beauté (vous m'avez pourtant dit autrefois, que j'étais assez belle) mais vous ne trouverez jamais tant d'amour, et tout le reste n'est rien. Ne remplissez plus vos lettres de choses inutiles, et ne m'écrivez plus de me souvenir de vous. Je ne puis vous oublier, et je n'oublie pas aussi, que vous m'avez fait espérer, que vous viendriez passer quelque temps avec moi. Hélas ! pourquoi n'y voulez-vous pas passer toute votre vie ? S'il m'était possible de sortir de ce malheureux Cloître, je n'attendrais pas en Portugal l'effet de vos promesses : j'irais, sans garder aucune mesure, vous chercher, vous suivre, et vous aimer par tout le monde : je n'ose me flatter que cela puisse être, je ne veux point nourrir une espérance, qui me donnerait assurément quelque plaisir, et je ne veux plus être sensible qu'aux douleurs. J'avoue cependant que l'occasion, que mon frère m'a donnée de vous écrire, a surpris en moi quelques mouvements de joie, et qu'elle a suspendu pour un moment le désespoir, où je suis. Je vous conjure de me dire, pourquoi vous vous êtes attaché à m'enchanter, comme vous avez fait, puisque vous saviez bien que vous deviez m'abandonner ? Et pourquoi avez-vous été si acharné à me rendre malheureuse ? que ne me laissiez-vous en repos dans mon Cloître ? vous avais-je fait quelque injure ? Mais je vous demande pardon : je ne vous impute rien : je ne suis pas en état de penser à ma vengeance, et j'accuse seulement la rigueur de mon Destin. Il me semble qu'en nous séparant, il nous a fait tout le mal que nous pouvions craindre ; il ne saurait séparer nos coeurs ; l'amour qui est plus puissant que lui, les a unis pour toute notre vie. Si vous prenez quelque intérêt à la mienne, écrivez-moi souvent. Je mérite bien que vous preniez quelque soin de m'apprendre l'état de votre coeur, et de votre fortune, surtout venez, me voir. Adieu, je ne puis quitter ce papier, il tombera entre vos mains, je voudrais bien avoir le même bonheur : Hélas ! insensée que je suis, je m'aperçois bien que cela n'est pas possible. Adieu, je n'en puis plus. Adieu, aimez- moi toujours ; et faites-moi souffrir encore plus de maux.


Mariana Alcoforado ou Chevalier de Guilleragues?

terça-feira, setembro 12, 2006

Haiku

Juncos em movimento.
Os cabelos da água
penteados pelo vento.

Albano Martins

domingo, setembro 10, 2006

Sélime, Hijo de Chabane y su libro

Así habló,
en Estambul,
en una taberna del Mercado de Mariscos,
el encargado del registro carcelario:
"Estas manos
que veis,
con dedos quemados,
asados por las chispas,
tocadas por corazones humanos:
las manos de vuestro servidor,
encargado del registro carcelario
desde hace veinticinco años,
un cuarto de siglo, de buena sangre...
La vida humana es demasiado corta, tal vez,
quizá, al contrario, excesivamente larga...
Bebamos todavía un trago más..."
"Este atardecer, las lágrimas aún,
las lágrimas,
son veneno en mi vino..."
El tranvía abandona la plaza de Emineunu
en dirección de Bebek.
El Mercado de Mariscos se hunde en las tinieblas.
Llueve,
detrás de las ventanas de la taberna...
"Querido mío,
no soy sino una hoja
remolineándose al viento..."
como decía Moualine Nadji,
el difunto Nadji, el poeta...
Por qué ese tumulto,
por qué esos gritos?
Y por qué los hombres
son también tristes como ese pescado
que duerme en este plato?
En el día del Juicio Final,
vuestro servidor,
encargado del registro carcelario,
tendrá una pregunta que hacer
al Ángel de la Muerte...
Bebamos todavía un trago más...
Nunca habeis visto ahorcar a un hombre?
Vamos a colgar uno mañana,
al alba,
desde el alba...
El Sultán Rojo
mandaba tirar al mar
a los estudiantes de la Escuela de Medicina,
desde la Punta del Sérail.
Se dice que la corriente se llevaba los sacos,
que nunca volvimos a encontrar...
y tantos hombres,
en la Revolución
sí, tantos hombres, fueron ahorcados...
Antiguamente, se les colgaba del puente;
a éste,
se le ahorcará sobre la Plaza de Sultán-Ahmet...
Se va a remojar
si continúa lloviendo...
Bebamos todavía un trago más...
"La ciudad de Estambul es única en el mundo,
el aire y el agua infunden a usted una vida nueva..."
ha dicho el poeta,
el poeta Nédime...

Nazim Hikmet

sábado, setembro 09, 2006

Haiku (o meu primeiro)

Manhã azul
Gelo no café
O sol em nós

O mar defronte
Café quente
Dia de sol



i

haïkus

Un serpent s'est enfui.
Ses yeux qui m'ont regardé
Seuls restent dans les herbes.


On appelle cette fleur pivoine blanche.
Oui, mais
Un peu de rouge.


Les filles prennent des plants de riz.
Des reflet d'eau oscillent
Sur les envers des chapeaux en carex.


Des ombres du soir sont épaisses
Aussi dans les algues flottantes.


À la surface de la plage du printemps
Un rond largement dessiné.


Un chien s'endort
Il tien sa tête entre ses pattes.
Maison de chrysanthèmes.


Je regarde la rivière.
Un peau de banane
Tombent de ma main.


Quand on dépose une chose
Une ombre d'automne
Naît là.


Les racines d'un grand arbre d'été
Sur une roche
S'étendent dans toutes les directions.


J'ai reçu un pétale tombé de cerisier à la main.
Ouvrant le poing
Je n'y trouve rien.


Vient le premier papillon de l'année.
"Quelle couleur?"
"Jaune."

Kyoshi Takahama

sexta-feira, setembro 08, 2006

Naturaleza muerta en Innsbrucker Strasse

Ellos son (por excelencia) treintones y con fe en el futuro.
Mucha fe.
Al menos se deduce por sus compras
(a crédito y costosas).
Casaca de gamuza (natural),
Mercedes deportivo color de oro.
Para colmo (de mis males) se les ha dado además por ser eternos.
Corren todas las mañanas (bajo los tilos)
por la pista del parque y toman cosas sanas.
Es decir, legumbres crudas y sin sal,
arroz con cascarilla, agua minerales.
Cuando han consumido todo el oxigeno del barrio
(el suyo y el mío)
pasan por mi puerta (bellos y bronceados).
Me miran (si me ven)
como a un muerto
con el último cigarro entre los labios.


Antonio Cisneros

quarta-feira, setembro 06, 2006

haiku (um )

O velho tanque
Uma rã mergulha,
Barulho de água.



Bashô

terça-feira, setembro 05, 2006

Rubaiyat (uma)

Olhando o mar, sonho sem ter de quê.
Nada no mar, salvo o ser mar, se vê.
Mas de se nada ver quanto a alma sonha!
De que me servem a verdade e a fé?
Ver claro! Quantos, que fatais erramos,
Em ruas ou em estradas ou sob ramos,
Temos esta certeza e sempre e em tudo
Sonhamos e sonhamos e sonhamos.
As árvores longínquas da floresta
Parecem, por longínquas, ‘star em festa.
Quanto acontece porque se não vê!
Mas do que há ou não há o mesmo resta.
Se tive amores? Já não sei se os tive.
Quem ontem fui já hoje em mim não vive.
Bebe, que tudo é líquido e embriaga,
E a vida morre enquanto o ser revive.
Colhe rosas? Que colhes, se hão-de ser
Motivos coloridos de morrer?
Mas colhe rosas. Porque não colhê-las
Se te agrada e tudo é deixar de o haver?

Fernando Pessoa

segunda-feira, setembro 04, 2006

Sísifo

Recomeça....

Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças



Miguel Torga
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