sexta-feira, janeiro 25, 2008

Oiço falar

Oiço falar da minha vocação
mendicante e sorrio. Porque não sei
se tal vocação não é apenas
uma escolha entre riquezas, como Keats
diz ser a poesia.
Desci á rua pensando nisto,
atravessei o jardim, um cão
saltava á minha frente,
louco com as folhas do outono
que principiara e doiravam
o chão. A música,
digamos assim,
a que toda a alma aspira,
quando a alma
aspira a ter do mundo o melhor dele,
corria á minha frente, subia
por certo aos ouvidos de deus
com a ajuda de um cão,
que nem sequer me pertencia.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, janeiro 18, 2008

Rosa de escândalo

Cuando el hombre se extinga,
cuando la estirpe humana al fin se acabe,
todo lo que ha creado
comenzará a agitarse,
a ser de nuevo,
a comportarse libremente
-como
los niños que se quedan
solos en casa
cuando sus padres salen por la noche.

Héctor conseguirá humillar a Aquiles,
Luzbel volverá a ser lo que era antes,
fornicará Susana con los viejos,
avanzará un gran monte hacia Mahoma.

Cuando el hombre se acabe
-cualquier día-,
un crepitar de polvo y de papeles
proclamará al silencio
la frágil realidad de sus mentiras.

Ángel González

sexta-feira, janeiro 11, 2008

Aquele que passa

O desconhecido que passa
e te acha ainda digna de uma fugidia palavra de desejo,
Talvez porque na sombra da noite tão doce de Maio
Ainda resplendem teus olhos,
ainda tem vinte anos a ligeira figura deslizante,
Não sabe que foste amada, por aquele que amaste amada,
em plena e soberba delícia de amor,
E em ti não há membro nem ponta de carne ou átomo de alma
que não tenha uma marca de amor.

Que tu viveste apenas para amar aquele que te amava,
E nem que quisesses
podias arrancar de ti essa veste que o amor teceu.
Ele, ignaro,
em ti já não bela, em ti já não jovem,
saúda a graça do deus:
Respira, passando,
em ti já não bela, em ti já não jovem,
o aroma precioso do deus:

Só porque o levas contigo,
doce relíquia à sombra de um sacrário.


Ada Negri

terça-feira, janeiro 08, 2008

El aire

Aún mas que el mar, el aire,
más inmenso que el mar, está tranquilo.
Alto velar de lucidez sin nadie.
Acaso la corteza pudo un día,
de la tierra, sentirte, humano. Invicto,
el aire ignora que habitó en tu pecho.
Sin memoria, inmortal, el aire esplende.

Vicente Aleixandre

sexta-feira, janeiro 04, 2008

El picaflor

Run ... dun, run ... dun ... Y al tremolar sonoro
Del vuelo audaz y como un dardo, intenso,
Surgió de pronto, ante una flor suspenso,
En vibrante ascua de esmeralda y oro.

Fue color... luz... color... A un brusco giro,
Un haz de sol lo arrebató al soslayo;
Y al desaparecer con aquel rayo,
Su ascua fugaz carbonizó en zafiro.

Leopoldo Lugones
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