segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Os turistas



Os turistas cheiram mal, portam-se mal e são mal educados.
Os turistas falam alto e fazem gestos largos. Riem-se por tudo e por nada e excitam-se facilmente .
Os turistas não olham nem sentem. Fotografam e filmam.
Os turistas fazem bicha para entrar aqui e ali e, por vezes, empurram-se uns aos outros.
Gostam de entabular conversa e perguntam-se :UÉREyuCAMEfróm?
Põem os pés em cima dos bancos nos transportes públicos, desperdiçam água nos lavatórios das casas de banho e comem alarvemente ao pequeno almoço, porque está incluido no preço da dormida.
Vestem-se muito mal e carregam mochilas,onde há sempre uma garrafa de litro e meio de água.Isto mesmo em cidades repletas de cafés e supermercados.
Entram de calções e panamá nos restaurantes e chinelam pelas cidades: chlap, chlap, chlap...é um turista.
Os mais dados a devaneios intelectuais visitam galerias e museus, colocando-se, com ar estúpido, entre as pessoas e os quadros.
E escrevem nas paredes dos monumentos: "aqui esteve o Esteves em agosto de 2005".
Os turistas portugueses são um caso particular , dentro da espécie.Além de todos os comportamentos acima descritos, apresentam ainda alguns aspectos que lhes são peculiares, como por exemplo, andarem de um lado para o outro nos corredores dos aviões e pararem, aqui e ali, para contarem imensas coisas e últimas novidades aos companheiros de circuito, com quem partilharam intensivamente as últimas 24horas x 8 dias.
As esposas não circulam. Sentam-se todas por cima umas das outras e falam muito alto dos últimos dez circuitos que fizeram e dos voos de catorze horas que "esses sim, meteram respeito, nada que se compare a este de três horas"e "esta companhia serve vegetariano!"ou então destilam inveja ao referirem-se às elegantes hospedeiras" estas não são nada bonitas" .
Já na bicha para o táxi, ainda se telefonam: "Ó Sousa pá, desculpe lá pá, vim embora sem me despedir de si, já estou nos táxis, mas amanhã telefono para falarmos mais um bocado, sim?".

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AGOSTO 22, 2005

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Era um redondo vocábulo

Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar,
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio,
Congregando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança,
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincando e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa


Zeca Afonso

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Desânimo

De regresso, ao entrar em casa, ligo a televisão, vejo o telejornal e penso: vivo no país do tudo-como-não-deve-ser.
Penso, logo desisto.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

S. Gimmignano



Em S. Gimmignano, cidade de origens medievais, surpreende o enorme número de torres que se elevam, finas mas altivas, sobre os telhados das casas.
Procurada uma explicação para o fenómeno, esclareceram-nos que, Nos finais da Idade Média, foram mandadas construir pelos ricos comerciantes locais.
Cada um tentava, ao despique, construir uma torre mais alta que a dos seus conterrâneos mostrando ,deste modo, a sua supremacia e maior riqueza em relação aos outros.
S. Gimmignano é uma lição tremenda acerca da espécie humana, do seu egoísmo, autismo e vaidade e da relação que estabelece com os bens materiais.
A riqueza, a pobreza e o poder: ainda que a pobreza possa ser absoluta, a riqueza é sempre relativa.
A riqueza não nos importa só pelo acesso que nos proporciona a melhores bens, mas por algo mais profundo e socialmente significativo: a busca do prestígio e do poder a que dá acesso.
Assim, parece que o que realmente interessa não é ter mais, mas sim ter mais que os demais.


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30 de Junho de 2005

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Tu e eu

Feliz o momento em que estamos sentados no palácio,
Tu e eu,
Com duas formas e duas figuras, mas com uma só alma,
Tu e eu.
As cores do bosque e a voz dos pássaros darão imortalidade
Ao tempo em que entrarmos no jardim,
Tu e eu.
As estrelas do céu virão contemplar-nos,
e nós mostrar-lhes-emos a lua,
Tu e eu.
Tu e eu, não mais indivíduos, seremos misturados em êxtase,
Jubilosos e protegidos de toda a tagarelice sem sentido,
Tu e eu.
Todos os cintilantes pássaros do céu
Hão-de devorar de inveja os seus corações
No lugar em que riremos assim,
Tu e eu.
Este é o maior dos prodígios: que tu e eu,
Sentados aqui no mesmo canto, estamos os dois, neste momento,
Um no Iraque e outro em Khorasan.


Jalaleddin El Rumi

sábado, fevereiro 10, 2007

Brel


Há dias em que acordo com um país, uma pessoa, um cheiro, um sabor ou uma paisagem dentro de mim. Hoje acordei com a Bélgica.

Toda a manhã foi como se estivesse lá. Manhãs belgas, cinzentas, de chuva miudinha, frescas e tónicas. O cheiro a erva molhada no jardim de Braine-le-Comte, a cinza metalizada das chaminés de Feluy, ao longe, mas não assim tão longe que não receemos um pouco respirar aquele ar. Mas desmentem os nossos receios os mirtilos azuis do jardim, as groselhas na árvore e as endívias pálidas, alinhadas com cebolinho, alho francês e alfaces.
Esta tarde quero ir à mort subite, beber cerveja e mordiscar cebolas em vinagre, subir e descer a Avenue Louise, chegar a casa e ouvir Mme. Ma , a vizinha, a tocar piano.
Estou a ouvir Brel, teve que ser. Vieillir. Envelhecer é isto? Começamos a dividir o tempo entre acção e recordações? Mourrir, celà n'est rien! mourrir est insignifiant, mais vieillir...
Ah Marieke, Marieke sous le ciel flamand, Je t'aimais tant, entre les tours de Bruges et Gand ah Marieke, Marieke revienne le Temps, revienne le Temps.
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6 de Julho de 2005

Morra o bispo e morra o papa

Morra o bispo e morra o papa.
maila sua clerezia.
Ai rosas de leite e sangue.
que só a terra bebia!
Morram frades, morram freiras.
maila sua virgaria.
Ai rosas de sangue e leite.
que só a terra bebia!
Morra o rei e morra o conde.
maila toda fidalgula.
Ai rosas de leite e sangue.
que só a terra bebia!
Morram meirinho e carrasco.
maila má judicaria.
Ai rosas de sangue e leite.
que só a terra bebia!
Morra quem compra e quem vende,
maila toda a usuraria.
Ai rosas de leite e sangue.
que só a terra bebia!
Morram pais e morram filhos.
maila toda filharia.
Ai rosas de sangue e leite.
que só a terra bebia!
Morram marido e mulher.
maila casamentaria.
Ai rosas de leite e sangue,
que só a terra bebia!
Morra amigo, morra amante.
mailo amor que se perdia.
Ai rosas de sangue e leite,
que só a terra bebia!
Morra tudo, minha gente.
vivam povo e rebeldia.
Ai rosas de leite e sangue.
que só a terra bebia!



Jorge de Sena

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Sofrimento

Quando chegámos ao Lorvão para visitarmos o Mosteiro e mal abrimos as portas do carro, fomos cercados por homens de todas as idades, sorridentes uns, olhar ameaçador,outros, desdentados, sujos e despenteados, todos.
Não percebi de imediato de que se tratava e senti medo. Depois li a placa presa ao gradeamento do Mosteiro: extensão do Hospital Psiquiátrico de Coimbra. Continuei com medo mas já sabia que pessoas eram aquelas que nos rodeavam, estendendo a mão, pedindo cigarros, uns rindo outros carrancudos .
Entramos no Mosteiro.
Ali jazem, a par das santas D. Teresa e D. Sancha, um magnífico cadeiral em madeira de jacarandá e nogueira que sobrevive à humidade e ao tempo e uma belíssima grade rocócó, de ferro forjado que separa a Igreja do Coro . Lembra a da Catedral de Sevilha e da Igreja de Santa Isabel, junto ao Convento de Santa Clara , a Nova, em Coimbra.
É um Mosteiro belo como todos os mosteiros, mas triste, infeliz. Não é como as ruínas das Abadias belgas, perdidas no meio dos campos onde, quando entramos, nos parece ouvir as alegres gargalhadas dos monges cervejeiros .

À saída do Lorvão seguiu-nos um homem que, quando parámos no semáforo, enfiou a cabeça pela janela do condutor e nos fez um interrogatório: De onde vêem? Para onde vão?
Fitei os seus belos olhos azuis turquesa, jovens, apesar da idade avançada que aparentava ter e respondi-lhe que não sabíamos.

Não sabemos de onde vimos nem para onde vamos.

Eu também não sei o que estou aqui a fazer, disse-nos o louco, sorrindo. Nós também não, ainda lhe respondemos, antes de arrancarmos, quando o sinal se pôs verde.

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5 de Julho de 2005

terça-feira, fevereiro 06, 2007

piedras corazon

en una tarde calurosa de verano encontre casualmente sin haber buscado una coleccionista de piedras corazon
las piedras corazon son exactamente lo que su nombre indica
piedras con forma de corazon
yo tengo una , es una suerte tener una
hay gentes que las confunden con el corazon piedra pero no tiene nada que ver....

yo tenia una y la coleccionista andaba buscando una, entonces escrito estaba que teniamos que encontrarnos y fue asi
y nos sentamos en unas escaleras donde hay un mar que tiene dos orillas muy cercanas tanto que desde una ves la otra ,yo nunca me habia mojado los pies en un mar tan extraño, que es un mar y cree que es un rio
ella me sujeto el bolso y las lagrimas y luego tomamos un cafe

y este fue un hermoso viaje
no hemos descubierto brasil
pero descubri que tenia una hermana
que iba a cuidar de mi

y hacia calor


Luisa Vidal Muñoz

Tudo foi dito cem vezes

Tudo foi dito cem vezes
E muito melhor que por mim
Portanto quando escrevo versos
É porque isso me diverte
É porque isso me diverte
É porque isso me diverte e cago-vos na tromba



Boris Vian

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Pura ficção ou a história de um Victorinox que abriu um Plátano Velho


Só existem quatro histórias que merecem ser contadas, dizia Jorge Luis Borges: o amor entre duas pessoas, o amor envolvendo três pessoas, a busca pelo poder e uma viagem.

Tenho alguma dificuldade em enquadrar a minha história numa destas temáticas, mas como quero muito que mereça ser contada, opto por inseri-la em "viagens".

Ou melhor, não opto. As circunstâncias obrigam.

Assim tudo fica mais verosímil, ainda que seja pura ficção.

Trata-se de um pequeno episódio passado numa segunda-feira, dia de semana em que, por excelência, acordamos dispostos a concretizar as grandes resoluções tomadas durante o fim-de-semana.

Os protagonistas são duas pessoas que mal se conhecem e que acordam, pela manhã, convictas que vão finalmente por ordem nas respectivas casernas e fazer coisas penosas, entediantes, esteticamente inúteis, como por exemplo, ir ao banco ou pagar seguros.

Era feriado.

Drama! Encolheram os ombros e decidiram encontrar-se para um happy hour, em local a determinar.

Deslizaram, muito devagar, enquanto pensavam onde haveriam de ir. Estava calor e o pensamento demorava.

Quase por inércia optaram por uma tela de Botero.

Entraram e percorreram-na, aparentemente desatentos às figuras nela representadas, (apenas o pudor próprio de quem mal se conhece os impediu de dizer: olha aquele/a ali!); conversaram e viajaram do princípio até ao fim do mundo, ainda que ambos desconfiem que o mundo, por contraponto, não tem limites.

Que prazer imenso.


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17 de Agosto de 2005


Cenas de uma tarde de Verão

Numa das mais bonitas esplanadas de Lisboa, estivemos duas horas à conversa, o rapaz que coleccionava canivetes e eu.
Estava muito calor e certamente que, se nos tivéssemos sentado no interior, gozaríamos o ar fresco, condicionado. Mas faltariam muitas coisas: o leve agitar das folhas das árvores, a sombra, o sol e as pessoas que passavam na avenida e que não nos desviaram a atenção, mas fizeram parte daquele cenário.
Foi a primeira vez que conversei com alguém que tivesse feito tão singular colecção, por isso tive tanta curiosidade em saber que outras coisas faz um rapaz assim: é piloto de avião e patrão de embarcações, viaja pelo mundo como quem come uma maçã e compõe músicas que são mar, desertos de areia, tempestades no céu e escarpas rochosas.O rapaz que coleccionava canivetes tem um sentido de humor cortante que já foi sarcástico, disse-me ele. Hoje, é trágico, disse-lhe eu. E rimos das mesmas coisas, ainda que descrevamos o mundo utilizando códigos diferentes: o dele tem sete notas, o meu dez algarismos.
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25 de julho de 2005

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

The Munich Mannequins

Perfection is terrible, it cannot have children.
Cold as snow breath, it tamps the womb

Where the yew trees blow like hydras,
The tree of life and the tree of life

Unloosing their moons, month after month, to no purpouse.
The blood flood is the flood of love,

The absolute sacrifice.
It means: no more idols but me,

Me and you.
So, in their sulfur loveliness, in their smiles

These mannequins lean tonight
In Munich, morgue between Paris and Rome,

Naked and bald in their furs,
Orange lollies on silver sticks,

Intolerable, without minds.
The snow drops its pieces of darkness,

Nobody’s about. In the hotels
Hands will be opening doors and setting

Down shoes for a polish of carbon
Into which broad toes will go tomorrow.

O the domesticity of these windows,
The baby lace, the green-leaved confectionery,

The thick Germans slumbering in their bottomless Stolz.
And the black phones on hooks

Glittering
Glittering and digesting

Voicelessness. The snow has no voice


Sylvia Plath
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