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Mendelsohn recorda as suas viagens para a Inglaterra e Escócia, compondo o Mar calmo e feliz viagem. Mas já antes Beethoven tinha escrito uma composição com o mesmo título.
Debussy imortaliza-se com a composição O Mar. Glazunov segue-o na esteira, escrevendo um poema sinfónico similar (Opus 28).
Prokofiev opta por escrever Nos mares polares. Chausson prefere juntar o amor e o mar, como que fundindo a imensidão de um no outro, escrevendo para isso, Poema do amor e do mar.
Sibelius, filho de um país mergulhado na água, vislumbra horizontes mais rasgados, escrevendo Oceânides. Mas em determinado momento extasia-se com o Cisne de Tuonela.
Smétana, nas areias de uma praia, sente-se arrebatado e a inspiração leva-o a escrever um esboço para um concerto, a que chamou Estudo de concerto à beira do mar.
Os oceanos não apenas esmagam pela grandiosidade, como também exaltam a fantasia.
Borodine imagina ora A bela sereia, ora A princesa do mar.
Dvorak descobre, deslizando sobre o abismo das águas, O duende aquático. Schubert escreve o Canto dos espíritos sobre a água. Estes, por vezes, habitam nalgum Castelo junto ao mar, como escreve Richard Strauss.
Smétana não vê sereias, nem princesas, nem tão pouco duendes ou espíritos. Apenas escuta a Canção do mar. Wagner imortaliza-se com a maldição de um navio, que se converteu em verdadeiro Navio fantasma.
Mas não é apenas a imensidão que inspira os músicos. Lençóis de água mais tranquilos também despertam a imaginação dos compositores.
Tchaikovsky opta pelo Lago dos Cisnes. Liszt pelo Lago de Wallenstadt; Galos escreve o Lago do Como; Fauré, deslumbrado pelos movimentos elegantes de um cisne, tradu-la, em O Cisne sobre a água. E como nas águas tranquilas do lago se espelhava a figura magestosa desta ave, Fauré junta a esta uma outra composição, Reflexos na água. O mesmo tema já tinha servido de inspiração a Debussy .
Para Schubert, tudo o que se relaciona com a água é motivo inspirador. Por isso, tanto canta O Rio, No mar, como escreve o que neles desliza: o rodopiar de A Truta e O Canto do Cisne.
As fontes, no seu borbotar permanente, não deixaram indiferentes os músicos.
Respighi escreve as Fontes de Roma ; Milhaud, compõe Fontaines et Sources; Liszt prefere sonhar À beira de uma fonte. Ravel traduz como ninguém as figuras caprichosas resultantes dos jactos de água, das cascatas e dos ribeiros nos Jogos de água. Liszt identifica esses mesmos jogos ao compor Jogos de água na Vila d’Este. Não menos expressivos são os Jactos de água de Debussy. Certamente estes terão mais encanto se acontecerem na Primavera. Por isso Rachmaninof compõe as Águas Primaveris.
Os rios e os ribeiros, com a sua musicalidade própria, cativaram um grande número de compositores, de um modo especial os românticos, que tinham em grande apreço o culto da natureza.
Para além das emoções junto de um ribeiro, que Beethoven pretende traduzir na 6ª Sinfonia , outros compositores porfiaram exprimir-se de modo idêntico: Chostakovich deixou para a posteridade o Regato luminoso e R. Strauss legou-nos Um passeio junto ao ribeiro (Wanderung neben dem Bache).
Os grandes rios da Europa tiveram também os seus compositores.
Para uma viagem no rio Tamisa, numa tarde de Outono, nada melhor que a Música aquática de Haendel, ainda distante do período romântico.
Manuel de Falla regista o Canto dos remadores do Volga.
Numa homenagem à sua Pátria, Smétana descreve a Moldávia, deixando-se deslizar nas águas do Moldova, desde a nascente até ao mar.
Mussorgsky e Prokofief cantam O Dniepre; este último fica extasiado com a grandiosidade do Encontro do Volga com o Don.
Bizet descreve O Reno e Chostakovitch marca um Encontro sobre o Elba.
Menos conhecido, mas não esquecido, é o rio Ulea, imortalizado por Sibelius, quando compôs O quebrar do gelo sobre o rio Ulea.
Alguns rios ficam no anonimato, mas percebe-se a referência. Chostakovitch não indica o nome do rio ao escrever o Rio Russo ou o Canto de um grande rio.
O mais idolatrado dos rios é, sem dúvida, o Danúbio. Transvasando as margens, encheu os salões nobres de Viena e os grandes espaços de dança do mundo. Ivanovici valsea ao som das Ondas do Danúbio. Johann Strauss, contemplando nas águas o reflexo do Céu, arrasta toda a cidade de Viena, e, com ela o mundo inteiro, a dançar O belo Danúbio Azul (valsa para orquestra).
Alguns compositores imaginaram-se vogando numa barcarola, embalados pelo cadenciar ritmado das ondas, ou competindo com algum gracioso cisne, através das águas límpidas e serenas. Traduziram essa mesma imaginação ao escreverem as Barcarolas, legando, deste modo, à posteridade páginas de rara beleza. A título de exemplo, basta citar alguns nomes como Mendelssohn, Chopin, Offenbach e Fauré.
A chuva influencia estados de alma propícios à imaginação criadora, pelos sentimentos que desperta: ora a melancolia e a solidão, ora o sonho e a saudade, ora a tristeza, o desconforto e a compaixão. Por isso, alguns compositores não escaparam à atracção deste fenómeno da natureza que, embora repetitivo, tem algo de sedutor.
Chausson deixa preceber o seu mundo interior ao compor a Chuva. Sibelius, por detrás de uma janela de sua casa, saboreia a cadência ritmada das Gotas de água. Brahms compõe a Canção da chuva. Chopin deixa-se arrastar pelo fascínio do gotejar das chuvas num beiral, ao escrever alguns dos seus Prelúdios (nº6 e nº 15). Stravinsky prefere sensações mais fortes, com o ímpeto das águas de um Dilúvio.
De tal modo a água é fonte da vida, que alguns compositores preferiram visioná-la numa perspectiva mais transcendente e mística. A água tornou-se para eles um símbolo de Vida Eterna.
Messiaen, que nunca negou a sua visão espiritualista do Universo, escreveu As Águas da Graça e A Festa das Belas Águas . Numa linha idêntica, Fauré escreve Água Viva.
Também a obra de alguns dos nossos compositores tem cantado este tema e, particularmente, os rios portugueses e o Mar: Filipe Pires e as suas Canções do mar, Jorge Peixinho com Música em água e mármore e sobretudo Fernando Lopes-Graça cuja História Trágico-Marítima (composta sobre o poema de igual nome do insigne escritor Miguel Torga) constitui obra relevante da música portuguesa contemporânea.
Maria do Amparo Carvas Monteiro