Coisas que recordo, às vezes
Às vezes, quando estou mais triste, recordo a enorme nogueira da casa de meus avós. Num dos seus ramos, meu avô pendurou um baloiço para as netas.
Ainda não havia daqueles aparelhos de senhas que agora há em todo o lado e, por isso, era sempre um pouco complicado gerir a utilização do pedaço de tábua suspenso, por cordas, ao ramo mais forte da árvore.
Verão após Verão, baloiçava ali, ouvindo aquele ranger doce da árvore, vendo o tremeluzir da luz da tarde por entre as folhas.
Recordo-me de algumas coisas que pensava então: no que seria quando fosse grande, nos sapatos empoeirados do filho dos caseiros que tanta impressão me faziam, como era forte aquela árvore para aguentar assim o nosso peso, na boneca espanhola que, ainda antes de voltar para Lisboa, meu pai me iria comprar em Vigo.
Claro que também havia bonecas em Lisboa, mas não tinham, nem de longe nem de perto, o encanto das bonecas espanholas com os seus cabelos compridos, loiros e enormes olhos azuis, com pestanas e pálpebras que abriam e fechavam, até ao dia em que encravavam e assim ficavam, de olhar vítreo e escancarado, fixo em nós.
Recordo também a casa, a adega, os tanques de lavagem do linho, o rosmaninhal onde estavam as colmeias, o laranjal, o renque de hortenses azuis, os muros cobertos por rosas de Santa Teresinha, as latadas de onde pendiam cachos de uvas brancas, a mina de água, lugar húmido e frio, cheio de mistérios e com várias cobras de água residentes, o espigueiro alcandorado em quatro pilares de granito, com telhado vermelho e uma grande chave de ferro em cada porta, os passeios diários às termas do Peso, onde sob o olhar atento do meu avô, todos tínhamos que beber um copo de água férrea, o que era um sacrifício para a maioria e um prazer desmedido para mim. Ainda hoje, quando penso na água do Peso, sinto o seu sabor na boca. E tantas saudades! Não que desejasse voltar a viver aqueles momentos. Mas sinto-os tão vivos, tão próximos...apetecia-me tocar-lhes. Apetecia-me voltar a ver o mundo como o via então. Tudo tão grande, tudo tão bonito.
O mundo visto dali era montanhoso, cheio de brumas pela manhã.
Chuviscava todos os dias, o que o tornava verde. Mas também fazia sol, por isso as flores sorriam e as abelhas eram felizes. Naquele mundo havia um castelo que era a casa dos meus avós. E os donos do feudo éramos nós, reis e rainhas, príncipes e princesas baloiçantes no ramo da nogueira, comedores de grandes fatias de broa de milho barradas com mel escuro e de maçãs e nozes do Outono anterior, conservadas intactas e sãs, no escuro fresco do sótão.
Verão após Verão, baloiçava ali, ouvindo aquele ranger doce da árvore, vendo o tremeluzir da luz da tarde por entre as folhas.
Recordo-me de algumas coisas que pensava então: no que seria quando fosse grande, nos sapatos empoeirados do filho dos caseiros que tanta impressão me faziam, como era forte aquela árvore para aguentar assim o nosso peso, na boneca espanhola que, ainda antes de voltar para Lisboa, meu pai me iria comprar em Vigo.
Claro que também havia bonecas em Lisboa, mas não tinham, nem de longe nem de perto, o encanto das bonecas espanholas com os seus cabelos compridos, loiros e enormes olhos azuis, com pestanas e pálpebras que abriam e fechavam, até ao dia em que encravavam e assim ficavam, de olhar vítreo e escancarado, fixo em nós.
Recordo também a casa, a adega, os tanques de lavagem do linho, o rosmaninhal onde estavam as colmeias, o laranjal, o renque de hortenses azuis, os muros cobertos por rosas de Santa Teresinha, as latadas de onde pendiam cachos de uvas brancas, a mina de água, lugar húmido e frio, cheio de mistérios e com várias cobras de água residentes, o espigueiro alcandorado em quatro pilares de granito, com telhado vermelho e uma grande chave de ferro em cada porta, os passeios diários às termas do Peso, onde sob o olhar atento do meu avô, todos tínhamos que beber um copo de água férrea, o que era um sacrifício para a maioria e um prazer desmedido para mim. Ainda hoje, quando penso na água do Peso, sinto o seu sabor na boca. E tantas saudades! Não que desejasse voltar a viver aqueles momentos. Mas sinto-os tão vivos, tão próximos...apetecia-me tocar-lhes. Apetecia-me voltar a ver o mundo como o via então. Tudo tão grande, tudo tão bonito.
O mundo visto dali era montanhoso, cheio de brumas pela manhã.
Chuviscava todos os dias, o que o tornava verde. Mas também fazia sol, por isso as flores sorriam e as abelhas eram felizes. Naquele mundo havia um castelo que era a casa dos meus avós. E os donos do feudo éramos nós, reis e rainhas, príncipes e princesas baloiçantes no ramo da nogueira, comedores de grandes fatias de broa de milho barradas com mel escuro e de maçãs e nozes do Outono anterior, conservadas intactas e sãs, no escuro fresco do sótão.
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1 Comments:
... que belas memórias, I! Que consolo e repouso para as almas fatigadas pelas íngremes correrias e tormentosos contra-ciclos dos dias de hoje, dos dias de adulto...
Essa é uma dádiva a que podes recorrer vezes sem conta... és uma privilegiada... uma princesa baloiçante, acima do comum das raízes da árvore do quotidiano...
"(ºoº)"
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