sexta-feira, novembro 18, 2005

Poema do Silêncio

Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
-Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.


José Régio

6 Comments:

Blogger I said...

Este poema é um dos que mais me agrada de José Régio e penso que também agradará, pelo que já li no seu blog , à Pé.Fica aqui pois para todos os que o lerem, mas com dedicatória.

18 novembro, 2005  
Blogger  said...

Um mar de palavras inunda o meu pensamento, como tal, reservo o meu comentário para mais tarde.
Até lá!
Ass: Pézita emocionada

18 novembro, 2005  
Blogger Alberto Oliveira said...

Régio!

18 novembro, 2005  
Blogger  said...

"...Procurei fugir de mim
Mas sei que sou meu exclusivo fim."

I&C: não sei te posso dizer que não poderia ser mais acertada esta tua escolha. Primeiro porque conheço mal Régio, infelizmente. E segundo porque estas palavras exigem segundas leituras, terceiras, leituras eternas para que as possamos abarcar e sentir que o que é nosso pode estar lá.
Mesmo assim, comoventemente revejo-me em tantas palavras aqui, a busca, o entendimento daquilo que sou, a falha, arcar com a falha, enfim...tantas coisas.
A ti, agradeço-te não só por me teres dedicado o poema, mas também por teres escolhido este em especial que tanto me fez pensar.

Vou tentar retribuir, vou pensar :)

A blogoesfera é um "sitio" fantástico!!!

19 novembro, 2005  
Blogger I said...

Obrigada pelas palavras, Pé. Como dizes conhecer pouco José Régio vou aqui contar-te uma coisa,acerca deste poeta que eu acho fascinante: Um dia visitei a casa -museu José Régio em Portalegre onde está guardada uma colecção fabulosa de Cristos! Durante grande parte da sua vida, Régio coleccionou Cristos pregados na cruz. Estranho, não é?

Da sua colecção fazem parte autênticas relíquias, Cristos de grande valor. São centenas!

19 novembro, 2005  
Blogger  said...

Que piada...
O que será que o levou a coleccionar cristos? Já que diz não se sentir ligado à religião?
Tb não me sinto ligada à religião, nem tão pouco à figura do cristo!

19 novembro, 2005  

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