O saquinho das nozes
Quando passávamos férias em Melgaço era obrigatória uma visita a Além, à casa da nossa tia Tereza.Era uma obrigação gostosa!
O simples nome do povoado evoca sentimentos sublimes.Além, ou o Além é sinónimo de Paraíso e eram , na verdade, paradísiacos o local e a casa da tia Tereza.Chamava-se Tereza de Jesus e lembrava um anjo.Alta, elegante, cabelo enrolado na nuca, o qual se desprendia em anéis sobre a face, trazia um fio de ouro ao pescoço, com um crucifixo no decote.De porte altivo, calmo, tranquilo, voz suave, sorriso afável, soube sempre rodear-se de serenidade.
Meu tio Zé do Cabo, seu marido, tinha no rosto a expressão sorridente e feliz de quem escapou nos horrores da guerra de 1914-1918, onde andara a combater, em terras de França,entre as baionetas, a metralha e os gases mortíferos que foram uma das armas de destruição. Foi gaseado, mas sobreviveu.
A casa em que viviam, com seus quatro filhos, era uma daquelas mansões antigas em granito coberto de musgo.Ficava isolada no meio do povoado, toda cercada pelo verde dos campos.
entrava-se e respirava-se a paz.Nas grossas paredes de granito, as janelas de subir e descer ficavam recuadas entre dosi bancos esculpidos na própria pedra, deixando entrar uma luz suave, filtrada pela vegetação do exterior.
Aos nossos passos rangiam as largas tábuas do sobrado de madeira muito esfregadas e limpas.Nas jarras havia flores sobre as arcas, cobertas com panos de renda.
Pela porta das traseiras passava-se para um pátio sobranceiro ao vale, no qual se erguia uma belíssima nogueira de folhavem leve, através da qual tremeluziam os raios de sol, num jogo de luz e sombra.E aquela enorme nogueira do pátio , se dava nozes!
Depois minha tia pegava-me na mão e levava-me até junto de uma das arcas, na sala.Abria o tampo e dizia-me:
-Quereis levar umas nozes?
Eu ficava maravilhada.Minha tia pegava num saquinho feito em linho caseiro, tecido por ela e enchia-o.Não adiantava eu dizer:
-Não me dê tantas! Já chegam!
Tenho ainda nos ouvidos, o ruído das cascas daquelas nozes a rangerem-lhe entre os dedos e a caírem no saquinho.
No fim atava-o com o próprio atilho e dizia-nos em tom meigo:
- Levai! Que lá em Lisboa não as tendes!
Era um presente dado com gosto.
Ainda hoje quando como nozes, me lembro da minha tia Tereza e da magnifica nogueira plantada no pátio de onde se avistava a paisagem em redor, dum paraíso que só existe na minha memória e que já não encontro.
Ruth San Payo,
in Tempos que ja lá vão,Dezembro 2000
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