sábado, junho 25, 2005

Aracne

O que me faz diferente
(além, está bem de ver, do exoesqueleto)
é talvez não ter alma interior;
uma coisa qualquer sobrevivente
que me faça durar,ainda que seja
na forma inferior do ectoplasma
ou no fátuo rumor da borboleta.
É breve a vida;mal sabemos
fiar um fio, e conceber a seda,
já se rasgou a areia na ampulheta;
a frágil obra que fizemos, fica
aberta ao vento, à chuva, ao descuidado
ofício da coruja e da serpente.
E como é escura a noite, só rasgada
pelo grito tenaz dos predadores;
ou, quando iluminada, é pelo fogo
que devasta os casulos e envenena
o jovem mel guardado nas colmeias.
À falta de melhor , antes prefiro
que ande lá fora, a pouca e perecível
alma que tenho;e se misture
tão bem a cada instante, que apeteça
vivê-lo eternamente;porque o tempo
é, como eu, um mero fabricante
de véus e teias que os humanos rasgam
sem sentir como nelas estão presos.

António Franco Alexandre, Aracne
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